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Por: Fabio Souza Pinto
Foto: Pressfoto – Banco de imagem


A segunda década do século XX foi marcada tanto pelo surto pandêmico da gripe espanhola, quanto pela grande depressão econômica. Passados quase cem anos, a pandemia do novo coronavírus submete bilhões de pessoas à quarentena e lockdown, com consequências sanitárias e econômicas sem precedentes modernos. Além de vidas perdidas, espera-se que um sem número de empresas encerrem suas atividades, algumas de forma abrupta, deixando, pois, de gerar riquezas, recolher tributos e aumentando as estatísticas de desemprego.

A despeito de tentativas de alteração legislativa visando a manutenção das fontes produtivas e de soerguimento do empresário frente o período pandêmico, é certo que o sistema falimentar certamente será colocado à prova.

Nesse pormenor cabe ressaltar que o legislador de 2.005, no que tange à Recuperação Judicial, enfatizou a prevalência do princípio da preservação da empresa, em total oposição ao que dispunha o revogado Decreto-Lei nº 7.661/45. Igualmente poderia ter inovado no capítulo falimentar, mormente na figura do empresário falido, que, pela sistemática atual, está fadado ao ocaso.

Não se olvida que empreender envolve a tomada de riscos que,por vezes, convertem-se em grandes oportunidades. Em outros casos, seja pela má gestão dos recursos ou mesmo por circunstâncias alheias ao controle do gestor, a derrocada empresarial pode até mesmo significar o banimento da vida empresarial, uma vez que o direito falimentar pátrio não dispõe de mecanismo eficaz de reabilitação. 

Não bastasse a inexistência de norma apta à recolocação do falido, tanto pelo sistema, como pelo viés cultural, aquele empreendedor é colocado à margem da vida empresarial e instado a comprovar o não cometimento de ilícitos, fraudes, sem prejuízo de, frequentemente, ter sua esfera individual de bens devassada.

Nesse sentido, a concepção de uma reabilitação ou fresh start ao empresário falido permite o livre recomeço, deixando-o apto para explorar outra atividade, sem qualquer entrave em sua nova chance.

As tentativas de reformas do direito brasileiro, no sentido de permitir a recolocação do empresário falido,tem como base o BankruptcyCode. Referido codex, mais alinhado com a realidade econômica e capitalista, apresenta várias disposições tendentes à tentativa de soerguimento (Capítulos 7 a 13) e estímulos para o cumprimento do dever de pedir autofalência e sua relação com a possibilidade de reabilitação jurídica, bem como a possibilidade de um fresh start.

A filosofia que norteia aquele sistema legal pressupõe que, pela livre iniciativa, a insolvência empresarial decorre dos riscos assumidos, e que, pela figura do discharge, fixada na Seção 727 do Capítulo 7, dentre as condições impostas, aooferecer seus bens pelas dívidas, aquele empreendedor falido poderá retornar ao mercado, sem o rótulo de pária ou fraudador.

Muitos empresários norte-americanos, hoje afortunados, já recorreram ao Código, porquanto não há vergonha ou melindre quanto a tal pleito, vez que a insolvência, conforme sua origem, é consequência natural dos riscos assumidos.

Frise que nos EUA, diante de circunstâncias institucionais, o que foi perdido pelos credores permanece no passado, sendo apagado segundo uma nova ordem microeconômica que passa a comandar a vida do empresário recuperado, sem que isso represente para ele custo financeiro que não permitirá a subsistência de sua nova empresa.

Por outro lado, o legislador brasileiro apenas pinçou elementos do Direito norte-americano, deixando de lado a possibilidade de recomeço ao empresário falido, impondo uma quase sanção, impondo um mínimo de cinco anos para sua reabilitação.

A Lei nº 11.101/05 tem, entre seus princípios informadores, o conceito de preservação da empresa, que analisado em conjunto à viabilidade técnica e econômica da empresa, deveria nortear a manutenção da atividade produtiva ou até mesmo a retirada do mercado daquele empreendimento, com a rápida reocupação do espaço, e ao mesmo tempo com a reabilitação daquele empresário para retornar ao mercado em curto período.

Ocorre que as disposições legais atinentes à falência não se harmonizam com o princípio da preservação da empresa, vez que não se reconhece o empreendimento como fonte produtiva, bem como não se facilita ou agiliza a retirada das empresas inviáveis do sistema, da mesma forma que a rápida recolocação do empresário falido.

Pelo contrário, a legislação falimentar em vigor revela-se similar à matriz presente no Decreto-Lei nº 7.661/45, consistindo na declaração da inabilitação do falido a partir da decretação de sua falência até a sentença que extingue as suas obrigações.

Pela mudança proposta no PL. 10.220/2018, muito bem-vinda em tempos de pandemia, o fresh start estaria fundamentado entre outras disposições, na nova redação dada ao inciso II do artigo 158,diminuindo-se o decurso do prazo de inabilitação dos atuais cinco para dois anos, contado da data do encerramento da falência,se, quanto a crime previsto nesta Lei, o falido não estiver respondendo.

O modelo adotado pelo projeto de lei em questão é exatamente do discharge, segundo o qual o devedor se torna isento de suas obrigações desde que não tenha se envolvido em alguma situação considerada negativa prevista na norma em questão.

Assim, com a iminente onda de quebras, diante da crise do COVID-19, abre-se uma janela de tempo para que alterações legislativas sejam promovidas, tanto no que concerne a sistemática falimentar, como em pela necessidade de acesso a crédito, vez que qualquer recomeço ou reabilitação dependerão essencialmente de novos investimentos e aportes.

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