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Por Manoel Justino Bezerra Filho
Foto: Freepik – Banco de imagem

De forma bem sintética, o que se pretende aqui é levantar uma grave questão de um futuro bem próximo, para a qual parece não haver ainda resposta eficaz; o intuito porém é de, pelo menos, alertar sobre o próximo surgimento do problema, embora provavelmente todos já o pressintam. Hoje, meados de maio de 2020, abatem-se sobre nós, três crises que, embora interligadas, podem ser claramente nominadas e delimitadas: a crise da saúde, a econômica e a política. Estas são as crises que podem ser catalogadas como a crise do “covid atual”, que esperamos passe logo, embora haja previsões de extensão delas por tempo ainda talvez mais dilatado. Desnecessário aqui tecer um exame mais detalhado sobre estas três espécies de crise, por serem de absoluto conhecimento, pela terrível vivência delas por todos.

Ressalta-se que, como muitas vezes ocorre, foi eleito aqui na crise, um verbo que está se consagrando pelo seu uso constante: “colapsar”, para se referir especificamente ao colapso do sistema de assistência à saúde e ao colapso da economia. De roldão, talvez já à beira do colapso completo, vemos a situação política. Claro que todas as pessoas de boa vontade e sem interesses escusos, tais pessoas estão todas preocupadas e buscando formas de solução ou encaminhamento dos dramas que tais crises estão a causar. Estamos portante falando do colapso decorrente da “crise do covid”, para falar em seguida da “crise do pós covid”. 

Entre as soluções buscadas para o pós covid, uma delas segue a tendência geral que sempre se vê aqui no Brasil (parece que também em outros países, não sei), ou seja, a apresentação de projetos de lei ou assemelhados, que encaminhem para a solução buscada. Surge o que se poderia chamar de uma verdadeira crepitância legislativa, com a apresentação de projetos de lei, instruções, recomendações, provimentos, portarias, etc., todos é claro, a demonstrar o legítimo e louvável esforço de equacionamento dos problemas, por dedicados e respeitáveis estudiosos da matéria. 

Neste exato momento (pode ser que daqui a pouco tudo mude), podemos alinhar as seguintes medidas, já em vigor ou em processo de discussão legislativa: (i) recomendação nº 63, do CNJ, de 31.3.2020; (ii) provimento 11/2020, da CGJ do TJSP, de 17.4.2020; (iii) projeto de lei 1179, de 2020, do Senador Antônio Anastasia; (iv) projeto de lei 1397, de 1.4.2020, do Deputado Hugo Leal; (v) projeto de lei 2409, de 7.5.2020, do Senador Confúcio Moura. Destas cinco medidas relacionadas, o projeto do Senador Anastasia cuida de contratos em geral, enquanto os quatro restantes falam diretamente de questões atinentes à recuperação judicial. Para os fins do presente artigo, não é necessário examinar o que exatamente é tratado em cada uma das medidas, exame que será feito em artigos posteriores. 

O que todas estas medidas trazem em comum é a judicialização das questões econômicas decorrentes da crise do covid. Umas mais, outras menos, algumas até acenando com a desjudicialização, sempre se verifica que as partes devem se dirigir ao Judiciário para resolver suas pendências, seja com moratórias, suspensão de prazos, tentativas de conciliação dirigidas pelos juízes, alteração de planos de recuperação anteriores, etc.. No entanto, não há possibilidade de o Judiciário atender a todas estas solicitações. O Judiciário já trabalha no limite de sua capacidade. Apesar das justas críticas pela demora na prestação jurisdicional, todos que têm proximidade com o problema, os advogados, promotores, partes que conhecem o funcionamento do Judiciário, sabem que este atraso não se deve à falta de dedicação de juízes e funcionários, deve-se sim, à quantidade enorme de processos em andamento, quantidade que em grande parte decorre do aparente fascínio que o brasileiro tem pelo “processo”. Curiosamente e bem a propósito, lembre-se que é muito comum, em qualquer desentendimento, um dos envolvidos ameaçar o outro, dizendo: “vou processar você”. 

Por participar de um grupo de discussão entre juízes e desembargadores e transcrevo aqui o que li outro dia, de um dos colegas. Dizia ele: “Estou preocupado. Muitos pedidos para não cortar água, luz, não protestar títulos, não pagar empréstimos, por causa da calamidade pública, etc., etc.. Muitos com alguma provada situação financeira, outros sem nenhuma. Alguns com argumentos, outros só com covid. Pessoas físicas, jurídicas, grandes, pequenas. Despejos, recuperação judicial, tributos e tantos outros. Seria essencial um mutirão emergencial gigantesco de conciliação. Algo está sendo pensado neste sentido?”. 

E aí já é possível delimitar e prever, no campo jurisdicional, a “crise do pós covid”. O sistema judiciário vai colapsar, para usar o verbo da moda, se todas as questões forem judicializadas. Não há necessidade de estatística, de exames mais aprofundados, para que se veja como fatal este colapso. Ademais, relembre-se, o que independe de crise, que o tempo judicial é diferente do tempo empresarial, de tal forma que, mesmo que houvesse condições de resolver rapidamente todas as questões, ainda assim os problemas empresariais não seriam solucionados a tempo. Curiosamente, na “Folha de São Paulo” de hoje, dia 15.5.2020, na pg. A13, vem transcrita a observação de Thomas Felsberg, advogado especializado em recuperação, sobre a crise empresarial: “Ocorre que, se todos buscarem resolver isso em juízo, haverá apagão judiciário”. Mais adiante, vem transcrita a observação de Ronaldo Vasconcelos, também respeitado especialista na matéria: “A recuperação judicial não foi criada para resolver crises sistêmicas”. E estamos em uma crise sistêmica, com uma ferocidade jamais imaginada por qualquer legislador do mundo. 

Para que não se permaneça apenas no campo da crítica e para que se possa imaginar um caminho, parece que todos (advogados, credores, devedores, bancos, terceiros interessados) precisariam internalizar o sentimento de que a busca automática da solução jurisdicional levará ao “apagão judiciário”, ao “colapso jurisdicional”, sem possibilidade de solucionar a crise “sistêmica”. A tentativa de solução extrajudicial precisa “entrar na cabeça” das pessoas e ser explorada até o limite máximo. A mediação extrajudicial do art. 9º da Lei 13.140/2015 parece um caminho a ser explorado, até porque pode suspender o andamento de processos já ajuizados, na forma de seu art. 16, ao mesmo tempo em que pode evitar novos ajuizamentos. A busca dos chamados “métodos alternativos de solução de disputas” também é o caminho que a criatividade de todos pode trilhar. A recuperação extrajudicial da Lei de Falências também pode servir como auxílio; talvez a busca pelos CEJUSCs. . 

Tudo isto, para que se possa tentar responder à angustiante questão lembrada lá em cima: “Algo está sendo pensado neste sentido?”. A proposta é exatamente esta: prever desde já o grave problema e pensar como encaminhar solução que não virá, podemos estar certos, pela judicialização incontida e indiscriminada. 

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