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Por: Felipe Herdem Lima

Em tempos em que discutimos tratamento mais eficaz para a pandemia que estamos enfrentando, a pergunta que fica é: e se os bancos ficarem doentes? Será que o Banco Central do Brasil (BACEN) dispõe de uma medicação atual e de um aparato cirúrgico capaz de evitar uma possível “doença” que circunda o cenário econômico delicado que presenciamos? Em outras palavras, será que o BACEN possui contraceptivos eficientes ou medidas de intervenção de emergência que possam de alguma forma prevenir ou equalizar o risco de insolvência? Neste sentido, me permito ir além, será que esta Autarquia consegue prevenir uma epidemia entre os bancos, representada por crises sistêmicas cada vez mais comuns em nossa complexa e dinâmica sociedade atual?

Desde que Alexander Fleming revolucionou o mundo com a descoberta da penicilina, motivado pelo fato de encontrar uma forma de reduzir o sofrimento dos soldados da Primeira Guerra que tinham suas feridas infectadas, impondo dor e por tantas vezes um processo ainda mais acelerado em direção à morte, a medicina abriu portas para um novo mundo, surgiram indústrias que se passaram a dedicar à produção de penicilina e outros antibióticos responsáveis com a qualidade de vida para pessoas que sofriam de tuberculose, pneumonia, meningite, sífilis, entre outras infecções. A partir daí, o mundo passava a conhecer e desfrutar de um instrumento absolutamente vital à vida.

Todavia, como quase tudo na vida é mutável, a bactéria staphylococcus aureus, enfrentada à época por Fleming, sofreu mutações ao longo das décadas, criando resistência à penicilina, obrigando a comunidade científica a estar sempre em constantealerta e estudo para evitar novas disseminações de doenças, mediante a criação de novos tratamentos e substâncias.

Essa analogia à medicina apenas demonstra que o Direito tem os mesmos objetivos e desafios, ou seja, em geral parte-se de uma necessidade coletiva de se proteger um bem relevante para a coletividade mediante um aparato regulatório — não parando por aí. A comunidade jurídica deve estar sempre atenta à dinamicidade da sociedade, que cada vez mais se movimento de forma célere, impulsionada por diversos motivos, como, por exemplo, tecnologia, globalização, etc.   

No Sistema Financeiro Nacional (SFN) a lógica é igual. Explico: como difundido pela doutrina, a coletividade deve gozar de um SFN saudável e seguro, principalmente pelo papel primordial exercido pelos bancos na economia de um país — papel que ficou visível com a crise de 1929 e as que se seguiram. Para tanto, e devido à importância desse setor, foram criadas regras no mundo e no Brasil que visam assegurar a sua. Contudo, o SFN é extremamente sensível a mudanças impulsionadas por diversos fatores, fato que merece especial atenção dos reguladores para evitar a “resistência” das regras já criadas para evitar crises e “doenças” no setor, exigindo, portanto, do regulador constante estudo e atenção.

No caso brasileiro, a necessidade de criação de “medicamentos” para a proteção do SFN teve seu início com a crise cafeeira, na década de 1860, que levou a quebra de diversas instituições financeiras, criando um sinal amarelo para o legislador. A partir daí, criaram-se diversas regras específicas para situações de crises bancárias, passando desde a exigência de aprovação governamental para o estabelecimento de sociedades anônimas (Lei 1.083, de 22 de agosto de 1860), pelo decreto nº 3.309, de 20 de setembro de 1864, que retirou a submissão dos bancos à legislação das falências ordinárias, até a criação da Lei n° 6.024/74, de 13 de março de 1974, vigente até hoje, criando o regime de intervenção e o de liquidação extrajudicial.

Diante desse cenário, é de se esperar a seguinte pergunta: será que uma lei de 1974, promulgada em um período político instável de nossa história, ainda é capaz de proteger de forma eficiente o Sistema Financeiro Nacional atual, com todas suas peculiaridades, muitas delas originadas mediante a experiência de crises, avanços tecnológicos e novos desafios criados pela dinamicidade da sociedade atual? A assertiva aqui é clara: o mecanismo criado em 1974 não encontrou fatores que criaram “resistências” ao aparato regulatório vigente?

Infelizmente, acredito que sim. Nesse sentido, e partindo do ponto da insolvência bancária, apesar de a Lei n° 6.024/74 ter criado os regimes de intervenção e liquidação, os remédios criados não são mais suficientes para tratar o problema de insolvência. Como exemplo do que está sendo afirmado, utilizo-me do regime de intervenção.

Frise-se, por oportuno, que o regime de intervenção visa reorganizar instituições financeiras irregulares ou a beira da insolvência de modo a recuperar sua capacidade econômico-financeira. Para tanto, nomeia-se um interventor pelo BACEN, com plenos poderes de gestão, suspendendo ainda o mandato dos administradores e conselheiros fiscais.

Olhando de forma superficial a medida de intervenção parece salutar, entretanto ao nos depararmos sobre as peculiaridades do regime encontramos a primeira falha, qual seja, a decretação do regime de intervenção interrompe o funcionamento normal da instituição, suspendendo a exigibilidade dos depósitos e das obrigações vencidas. Ora, como resolver um problema de insolvência paralisando a atividade da instituição? Diante desse cenário, é de se concluir que em função do regime suspender a exigibilidade dos depósitos e das obrigações vencidas à época da decretação, é muito pouco provável que os depositantes e investidores, depois de superada a crise que determinou a intervenção voltem a manter negócios com a instituição.

Logo, em razão da paralisação das atividades da instituição, o tempo demonstrou que a intervenção não possibilitava a normalização dos negócios e a consequente recuperação da empresa, fato que levou o governo, em 1987, a instituir o Regime de Administração Especial Temporário (R.A.E.T.) por meio da edição do Decreto-Lei nº 2.321, de 25 de fevereiro de 1987, em que a decretação não altera o curso regular dos negócios da instituição.

Portanto, diante da relevância da atuação bancária em um cenário econômico complexo como o atual, é natural a criação de regras e mecanismos de atuação que forneçam alguma proteção aos participantes do setor. Assim, apesar da existência de diferentes correntes teóricas para a teoria da regulação, o fato é que, diante das crises vivenciadas no século passado e neste século, é forçoso reconhecer a existência de imperfeições de mercado que impedem o seu normal funcionamento, dependendo, portanto, de um aparato regulatório para a correção de falhas que, por sua vez, possam surgir. É preciso focar nos avanços “medicinais” dos aparatos regulatórios, afinal banco também fica doente. Até lá, esperamos que o BACEN possa fornecer máscaras, leitos e álcool em gel para mitigar os efeitos de crises (sistêmicas ou não).

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