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Ana Carolina Reis do Valle Monteiro[1]

Luis Felipe Salomão Filho[2]

Como dizia o grande economista Joseph Alois Schumpeter “o empreendedor, independentemente do porte da empresa em que atua, é o agente da inovação e da destruição criativa, esta entendida como a força propulsora não só do capitalismo como do progresso material.”[3]

Nesse sentido, a destruição criadora e construtiva está na essência da dinâmica do capitalismo, quando crises surgem abruptamente, como se ondas imprevisíveis fossem, demandam imensa criatividade dos empresários para viabilizar a reestruturação dos seus negócios, sendo necessário buscar novas vantagens competitivas em relação aos seus concorrentes diante da crise.

É como nos ensinou Charles Darwin, “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”. Tal lição tem especial valor para o empresário em sua atividade empreendedora em tempos normais. Na crise, a tempestiva adaptação passa a ser questão de vida ou morte.

Diante desse contexto, O COVID-19 não apenas ameaça vidas, como traz oportunidades de reestruturação através da destruição e renovação de negócios privados, os quais são responsáveis por 90% dos empregos nos países em desenvolvimento.

Tanto é verdade que após a segunda grande guerra mundial, a maior catástrofe que a humanidade já havia visto, toda a economia foi completamente remodelada, ocasião em que surgiram diversos novos nichos de mercado.

A Nutella, por exemplo, surgiu no coração da devastada Itália do pós-guerra, pois o cacau havia sumido dos campos e foi justamente nessa oportunidade que um confeiteiro da região do Piemonte, Pietro Ferrero, resolveu criar um creme mais em conta, feito de avelã, açúcar e somente uma pitada de cacau.

Outro grande mercado que surgiu na esteira daquela crise foi a indústria farmacêutica em larga escala. Durante aquele trágico evento histórico a penicilina, que já era uma fórmula conhecida, teve de ser produzida em massa pela primeira vez, com o objetivo de atender todo o esforço de guerra que se fazia necessário naquele momento.


[3]Schumpeter J. A. (1939), Business Cycles. New York, NY: McGraw-Hill.


No entanto, para se conseguir esse efeito positivo dentro de um ambiente pessimista, deve-se pensar nessa destruição dos negócios com a clássica visão de Schumpeter, qual seja, a necessária destruição construtiva para sairmos dessa crise melhores.

Por óbvio, os bloqueios e distanciamento sociais necessários para a contenção da pandemia do coronavírus interromperam as atividades de empresas, com certas exceções, saudáveis e sua capacidade de pagar os credores.

Para explicar a crise econômica gerada pelas medidas de quarentena, citando o Professor Lawrence H. Summers, economista da Universidade de Harvard, o também Professor e Juiz Daniel Carnio Costa esclarece que o relógio econômico, aquele que afere o faturamento das empresas, ficou estático no tempo, vez que o consumo despencou da noite para o dia; por outro lado, o relógio financeiro, o que aponta as despesas (como aluguel, contas e outros) manteve seu regular curso, causando assim um descompasso insuportável para grande maioria dos empresários.

Dadas as circunstâncias, Governos no mundo todo estão procurando meios de incentivar as empresas através de programas de liquidez emergencial, como uma tentativa de movimentar o relógio econômico artificialmente. Além disso, também é necessário planejar revisões e ajustes nos procedimentos de insolvência para que reflitam as circunstâncias únicas da atual crise. Essas ações são indispensáveis para salvar os negócios e pavimentar a estrada para a recuperação econômica.

Procedimentos de insolvência determinam como recuperar ativos afetados para que a atividade comercial possa seguir seu curso. Em mais, naqueles casos onde isso não se mostra possível, sempre existe a opção de buscar uma nova destinação, os tornando mais produtivos. Trata-se, pois, da clássica lição de destruição construtiva.

Crises anteriores demonstraram que em condições como as atuais, o aumento de insolvências em pequenas e médias empresas e a redução de empregos disponíveis são previsíveis. Inclusive, tal indesejada situação já se mostra uma realidade ao redor do mundo.

No Brasil, esse efeito pode ser amplificado por regimes de insolvência ineficazes, que produzem como resultado, em grande parte, a liquidação das empresas (falência) – mesmo quando ainda são viáveis.

Esta não é a única mazela causada pelos procedimentos de insolvência inoportunos. As “empresas zumbis” também são frutos desta realidade, que apesar de “operativas”, se tornam dependentes de empréstimos, sendo incapazes de investir em novas atividades, mas mesmo assim, acabam privando negócios de empresas saudáveis.

Embora o Brasil ainda não tenha atingido o pico da pandemia, como dizem os chamados especialistas, nossas empresas estão fortemente expostas aos seus impactos sociais e econômicos. Neste cenário, mesmo com incertezas, o momento de agir é agora, sob pena de impactos irreversíveis no futuro.

Dada a natureza abrupta e generalizada da crise do COVID-19, é importante “achatar a curva” das insolvências e usar medidas de alívio para impedir que empresas viáveis sejam forçadas prematuramente à insolvência. Sem intervenção, mesmo procedimentos normalmente eficazes podem levar à falência sistêmica, onde uma enxurrada de insolvências poderia provocar um colapso nos preços dos ativos e no próprio Judiciário brasileiro.

Nesse contexto, com o intuito de superar esses desafios indicamos a seguir iniciativas relevantes para incrementar os mecanismos de reestruturação da dívida no ambiente de pandemia e assegurar a sobrevivência das empresas viáveis no pós-crise.

Iniciativas Legislativas brasileiras:

No Brasil foram apresentadas algumas iniciativas legislativas, merecendo destaque o Projeto de Lei 1.397/2020, de autoria do Deputado Hugo Legal com os aperfeiçoamentos constantes no substitutivo de relatoria do Deputado Isnaldo Bulhões, o qual foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 21.5.2020.

O substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.397/2020 tem por escopo à superação da crise econômico-financeira de empresários atingidos pelos efeitos da pandemia do COVID-19.

Tal projeto tem como base quatro principais pilares, quais sejam, (i) a suspensão legal para evitar uma falência prematura; (ii) negociação preventiva; (iii) estímulo ao financiamento; e (iv) pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

A suspensão legal, pelo prazo de 30 (trinta) dias, consiste na suspensão dos efeitos de algumas normas jurídicas com o intuído de impedir a excussão de patrimônio dos devedores para viabilizar um campo propicio à negociação.

Nesse contexto, durante o período de suspensão legal, não poderá haver: (i) excussão judicial ou extrajudicial das garantias reais, fiduciárias, fidejussórias e de coobrigações; (ii) decretação de falência; (iii) resolução unilateral de contratos bilaterais, sendo considerada nula qualquer disposição contratual nesse sentido, inclusive de vencimento antecipado; e (iv) cobrança de multas de qualquer natureza, desde que incidentes durante períodos específicos.

Vale ressaltar que as ações executivas ou revisionais de contrato que deverão ficar suspensas são apenas as obrigações atingidas pelos efeitos da pandemia do COVID-19.

É importante destacar que o substitutivo do Projeto de Lei não prevê uma moratória, já que não há suspensão da exigibilidade das obrigações. Juros e encargos continuarão correndo e deverão ser quitados na hipótese de não se atingir uma negociação.

Na fase de negociação preventiva as partes terão o prazo de 90 (noventa) dias para superar as dificuldades através de um procedimento consensual que envolvam empresários atingidos pelos efeitos da pandemia.

Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária, poderão ser utilizados pelo agente econômico que comprove redução igual ou superior a 30% (trinta por cento) do faturamento, tendo em vista os períodos anteriores.

O pedido deverá ser distribuído ao juízo competente para conhecimento, processamento e julgamento das demandas recuperacionais tratadas na Lei nº 11.101/2005 (LFRE) e ensejará imediata suspensão de medidas judiciais executivas em face solicitante.

Cabe salientar que durante esse período o devedor pode requerer a recuperação judicial ou extrajudicial, contudo o tempo de suspensão decorrente da distribuição do pedido de negociação preventiva de dívidas, deverá ser deduzido do período de suspensão indicado no art. 6º da Lei nº 11.101/2005.

Em uma terceira faseo substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.397/20,em seu artigo 4º, cria estímulo para que os agentes econômicos encontrem fontes alternativas de financiamento seja através de bancos, credores, sócios e sociedades do mesmo grupo econômico, independentemente de autorização judicial. Note-se que, da mesma forma como ocorre no Chapter 11 americano, o crédito decorrente do financiamento (DIP Finance) não será considerado sujeito aos efeitos da recuperação extrajudicial ou judicial e, em caso de falência, será enquadrado no inciso V, do art. 84, da Lei nº 11.101/2005.

Já no que se refere às alterações da Lei nº 11.101/2005, o projeto elenca as seguintes alterações de caráter transitório. Confiram-se:

A primeira alteração importante é modificação do quórum, exigido pelo caput do art. 163 da Lei nº 11.101/2005, para o requerimento da homologação de recuperação extrajudicial, que passa a ser de metade mais um de todos os créditos de cada espécie, abrangidos pelo plano de recuperação extrajudicial. O referido pedido deve ser apresentado com comprovação da anuência 1/3 (um terço) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos, acompanhado de um compromisso de, no prazo improrrogável de 90 (noventa) dias, contados da data do pedido, atingir o quórum exigido. Na hipótese de não se atingir o quórum necessário para a homologação do plano, o devedor poderá, facultativamente, solicitar a conversão do procedimento em recuperação judicial.

No que tange às recuperações já em curso, o substitutivo prevê a suspensão de 120 (cento e vinte) dias para a exigibilidade das obrigações assumidas pelo devedor nos planos de recuperação judicial ou extrajudicial, já homologados, independentemente de deliberação da assembleia geral de credores. Nesse período também não poderá haver decretação da falência, fundamentada no descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação.

O projeto também prevê a apresentação de novos planos de recuperação judicial ou extrajudicial, independentemente de já ter havido ou não a homologação do plano original.

O substitutivo ao Projeto de Lei nº 1.397/20 também autoriza a inclusão de créditos originados após o ajuizamento do pedido de recuperação no novo plano.

Estão excluídos dos efeitos desse novo plano os créditos já excluídos dos efeitos da recuperação empresarial por disposição legal, bem como os créditos decorrentes de financiamento DIP (Debtor-in-possession) tomados pela devedora.

O Projeto de Lei ainda prevê que mesmo os devedores que tenham obtido há menos de 5 (cinco) anos a concessão de recuperação judicial e 2 (dois) anos homologação do plano de recuperação extrajudicial, poderão pretender a recuperação extrajudicial ou judicial.

Outra alteração prevista no substitutivo do Projeto de Lei é a mudança do limite mínimo para a decretação da falência que passa de 40 (quarenta) salários mínimos (art. 94, I, da LFRE) para R$ 100.000,00 (cem mil reais), na data do pedido de falência.

No que se refere ao plano de recuperação judicial de microempresa e empresa de pequeno porte, o PL prevê o seguinte: (i) o plano preverá parcelamento dos débitos em até 60 (sessenta) parcelas mensais, iguais e sucessivas, admitida a concessão de desconto ou deságio; (ii) o plano estipulará o pagamento da primeira parcela no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado da distribuição do pedido de recuperação judicial ou de seu aditamento; (iii) a apresentação de objeções pela maioria dos credores não mais acarretará a decretação da falência, mas simplesmente a extinção do processo sem julgamento do mérito.

Por fim, o PL ainda dispõe a suspensão de atos administrativos de cassação, revogação, impedimento de inscrição, registro, código ou número de contribuinte fiscal, independentemente da sua espécie, modo ou qualidade fiscal, sob a sujeição de qualquer entidade da federação que estejam em discussão judicial.

Iniciativas estrangeiras:

No cenário mundial é relevante citar algumas iniciativas governamentais e legislativas com o intuito de evitar que empresas viáveis sejam prematuramente insolventes por meio de medidas extraordinárias e com prazos estipulados.

Espanha, Cingapura Reino Unido e Rússia editaram regulamentações para suspender a obrigação dos diretores de apresentar um pedido de falência. A limitação deste requisito se dá sob certas condições, como a insolvência diretamente relacionada ao COVID-19. Vale notar que em certos países, os diretores geralmente têm o dever legal de agir no interesse dos credores quando uma empresa está à beira da falência, para impedir negócios que aumentem suas dívidas.

Na Albânia, o banco central patrocinou um procedimento extrajudicial para os bancos privados negociarem dívidas com os devedores. Neste país foi estabelecido um procedimento informal extrajudicial ou híbrido através de negociações da dívida da recuperanda com instituições financeiras, como um acordo de suspensão que impede a execução da dívida. Esse procedimento idealmente apoiado pelo Banco Central do país e pela associação de bancos tenta evitar processos judiciais de insolvência, além de auxiliar no soerguimento imediato das empresas em dificuldade.

Por sua vez, França, Polônia, Espanha, Bulgária e África do Sul relaxaram ou suspenderam vários prazos judiciais e administrativos por tempo limitado e enquanto perdurarem os efeitos nefastos da crise pandêmica. As leis de insolvência normalmente têm prazos curtos, isso porque procedimentos demorados reduzem as chances de recuperação dos credores e estimulam a incerteza. Suspender os requisitos para proceder à liquidação, caso a atividade comercial do devedor estiver interrompida durante o processo de reorganização. Esse recurso comum das leis de insolvência visa maximizar a recuperação do credor, mas pode forçar a liquidação prematura durante os lockdowns.

O governo do Reino Unido, recentemente, anunciou a implementação de uma “moratória empresarial”, na qual as empresas em dificuldade receberão um período formal de 20 dias úteis, prorrogáveis para 40. Tal medida visa possibilitar que os devedores elaborem um plano de socorro, sem que os credores possam tomar ações legais.

O projeto de Lei também alterará cláusulas de anulação de contratos de fornecimento, de forma que quando uma empresa ficar insolvente ou entrar em processo de reestruturação seus fornecedores não poderão usar os termos contratuais para interromper o fornecimento ou elevar preços.

Além disso, o projeto permitirá que empresas em dificuldades financeiras (ou seus credores) criem um “plano de reestruturação”, que mesmo com a, seriam obrigados a assinar caso este seja considerado “justo e equitativo” por um tribunal, no formato do conhecido “Cram Down”.

Conclusão:

Em suma, este momento de crise desafiadora proporcionará aos agentes econômicos, ferramentas construtivas de assistência financeira e técnica. Incumbe as Autoridades, o importante papel de elaborar políticas que vão desde implantações rápidas, como ajustes por tempo limitado a procedimentos de insolvência existentes, até soluções de longo prazo, como práticas extrajudiciais, que foram uma ferramenta relevante em crises passadas.

As pequenas e médias empresas serão particularmente afetadas por essa crise. Aliás, são elas que representam 90% de todo o bolo no setor privado, gerando mais da metade dos empregos nos países em desenvolvimento. Portanto, o momento é de construção e inovação dos Princípios para Regimes Eficientes de Insolvência e Credores/Devedores, com foco na insolvência das empresas até o final de 2020.

A aprovação do projeto de Lei nº 1.397/2020 representa um grande avanço em direção a uma resposta brasileira à altura do “esforço de guerra necessário”, no entanto demais medidas das Autoridades e dos Empresários ainda são requeridas, pois, invocando Darwin em mais uma oportunidade, se não adaptarmos nossos regimes de insolvência a tempo, as próximas gerações vão deixar de conhecer muitos negócios como nos conhecemos hoje.

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