O grupo de comunicação da família Collor de Mello apresentou ao administrador judicial uma dívida trabalhista, com fornecedores e bancos de pelo menos R$ 217 milhões. Os dados foram repassados ao UOL pelo responsável técnico da empresa nomeada como interventora judicial. O senador Fernando Collor (Pros-AL) é o sócio principal das empresas.
Do valor apresentado pela OAM (Organização Arnon de Mello), R$ 191 milhões são débitos de fornecedores sem garantias reais, os chamados “bondholders”. Outros R$ 24,5 milhões são débitos trabalhistas, enquanto R$ 1,4 milhão se refere a débitos com pequenas empresas.
O valor não inclui débitos tributários do grupo, já que essa dívida não entra na recuperação judicial aprovada no dia 3 de setembro. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a OAM tem R$ 300 milhões em débitos previdenciários e não previdenciários inscritos em dívida ativa. Além disso, há valores devidos —e não informados— que estão em negociação.
Ao todo, o maior grupo de comunicação de Alagoas deve mais de R$ 500 milhões a trabalhadores, empresas e governos. “Muito difícil imaginar que a empresa tenha capacidade de pagar esse valor, ainda mais em um setor —de comunicação— que apresenta decadência. Não tem como imaginar outro desfecho que não seja a falência”, disse um especialista em consultoria empresarial que conhece a OAM e quis permanecer sob anonimato.
Credores ainda podem contestar valores
O administrador José Luiz Lindoso, que é representante técnico da empresa interventora judicial, explica que o próximo passo será a publicação desses valores devidos em um edital para que sejam confirmados pelos credores.
“Essa lista será publicada para que possam divergir. Por exemplo: a empresa diz que deve R$ 10, mas o credor diz que não é esse o valor, é R$ 20. Ou podem aparecer pessoas que não aparecem nessa lista e vão pedir para botar o nome. O nosso papel como interventor é perguntar às pessoas para saber se o valor está certo. Depois disso, publica-se uma nova lista com as correções”, explicou.
Durante o processo de recuperação judicial, a empresa segue com seu funcionamento normal, mas pede uma espécie de socorro para quitar débitos. Com isso, leilões de execução e débitos fiscais ficam suspensos até o encerramento do processo. Segundo Lindoso, a recuperação judicial não inclui débitos fiscais, estejam eles inscritos em dívida ativa ou não.
Após a confirmação dos débitos, a empresa deve se reunir com todos os credores para apresentar um plano de pagamento. A prioridade é para os débitos trabalhistas.
Cumprindo todos os requisitos, a empresa vai para uma assembleia, que é quem aprova. No fundo, a recuperação termina sendo um grande acordo, mas quem diz se o plano da empresa vai ou não ser aprovado são os credores. A Justiça só faz acompanhar o processo para que a lei seja cumprida”, diz.
No plano, afirma o interventor, a empresa deverá explicar como pretende pagar os débitos e pode pedir descontos e prazos longos. “O plano de recuperação é feito para isso: ele diz quanto pode pagar, em quanto tempo. Ou seja: ajusta-se o tamanho da dívida à capacidade de a empresa pagar.” Caso o plano seja rejeitado, a empresa entra em processo de falência. “Isso não seria bom para ninguém, nunca é melhor solução”, afirma Lindoso.
Ainda segundo o interventor, as primeiras reuniões com a gestão da OAM foram boas. “O relacionamento nesses primeiros contatos foi bom, está tudo perfeito: fomos bem recebidos e as informações que pedimos foram dadas. Estamos agora no envio de cartas aos credores”, diz.
Pedido de recuperação judicial feito antes de leilão
O pedido de recuperação judicial da OAM foi feito em 27 de setembro, um dia antes do leilão marcado pela Justiça Federal dos três prédios do grupo em Maceió. A recuperação inclui TVs, emissoras de rádio, sites, entre outras empresas do grupo.
Em reportagem publicada em maio, o UOL mostrou as dificuldades financeiras do grupo em Alagoas, que é acusado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) de servir como fachada para lavagem de dinheiro de propina recebida pelo senador em contratos intermediados pela Petrobras.
No último dia 25 de abril, a então procuradora-geral, Raquel Dodge, pediu ao STF (Supremo Tribunal Federal) que Collor seja condenado a 22 anos de prisão e à perda de mandato, além do pagamento de multa e indenização num total de R$ 59,9 milhões. As investigações fazem parte da Operação Lava Jato.
Segundo consulta feita à PGFN ontem, quatro empresas pertencentes à OAM tinham uma dívida ativa inscrita de R$ 300 milhões. Esse valor, entretanto, não entra na recuperação judicial e só deve ser pago após a assembleia de credores. Somente a TV Gazeta (afiliada da Globo em Alagoas) tem R$ 167,4 milhões de débito inscritos.
Procurada pelo UOL em setembro e ontem, a direção da OAM não se manifestou sobre o pedido de recuperação judicial. O senador Fernando Collor também não quis falar, alegando que era o diretor da OAM, Luiz Amorim, quem poderia falar sobre o tema.