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O extenso rol de documentos exigidos e a necessária submissão ao crivo do CRI podem burocratizar e encarecer o procedimento

A Lei 13.986/20 inovou ao possibilitar a constituição de patrimônio em afetação nas operações de Cédula de Produto Rural (CPR), visando a dar maior segurança jurídica ao financiador e a possibilitar o fracionamento de imóvel pelo tomador de modo a customizá-lo ao valor do crédito objetivado. Contudo, algumas observações devem ser feitas em relação à essa nova modalidade de garantia.

A primeira delas, diz respeito à natureza jurídica do patrimônio em afetação. Trata-se de um instituto importado do direito imobiliário e que não constitui, segundo diploma civil, em um instituto típico de garantia de crédito. No patrimônio de afetação a propriedade não deixa de pertencer ao tomador, mas, por ficção jurídica, é segregado do patrimônio dele, de modo que passa a não ser passível de constrição judicial, excetuadas algumas situações (art. 10, § 5º, da nova Lei).

O extenso rol de documentos exigidos e a necessária submissão ao crivo do CRI podem burocratizar e encarecer o procedimento

Lado outro, limita-se ao tomador a constituição de uma nova garantia sobre o imóvel afetado (situação diversa da hipoteca, por exemplo). Constata-se, pois, um instituto sui generis, com feição de garantia e contornos de alienação fiduciária. Mas o ponto é que não é um e nem outro, gerando certa dose de risco inerente ao ineditismo de sua aplicação no agronegócio.
A segunda delas, diz respeito ao enforcement em caso de inadimplemento, já que quando constituído para garantia de pagamento de Cédula Imobiliária Rural (CIR), além de existir a obrigação legal de entregar o bem diretamente para o credor (art. 17, II, da nova Lei), há remissão legal expressa aos artigos 26 e 27, da Lei 9.514/97, direcionando o credor ao uso de regras previstas no processo extrajudicial de consolidação de propriedade de imóvel alienado fiduciariamente.

Todavia, para a execução da CPR, o legislador, por via oblíqua, pretendeu utilizar o mesmo procedimento de excussão extrajudicial do patrimônio de afetação (art. 16, da nova Lei). No entanto, a ausência de comando normativo expresso na própria Lei da CPR (no sentido de se estipular a mesma obrigação legal de o proprietário obrigar-se a entregar o imóvel em caso de inadimplemento) propicia indefinição jurídica, sobretudo no âmbito de um procedimento extrajudicial de excussão de garantia.

Portanto, ao financiador mais atento e precavido poderá surgir a necessidade de solicitar ao tomador a constituição de patrimônio em afetação e, concomitantemente, a alienação fiduciária de imóvel afetado (caso se entenda viável essa cumulação) e também de lavoura (observando-se que se passou a permitir a constituição de alienação fiduciária sobre safra futura). Tudo isso acompanhado de declaração expressa do tomador quanto não essencialidade dos bens dados em garantia fiduciária.

Sob a ótica do tomador de recursos, o extenso rol de documentos exigidos (art. 12, da nova Lei) e sua necessária submissão ao crivo do CRI podem burocratizar e encarecer o procedimento, de modo a desestimular a constituição de patrimônio em afetação. Isso sem mencionar potenciais dificuldades práticas afeitas ao processo de segregação de imóvel rural e até eventual perda de valor de mercado.

Em conclusão, não se pode negar que a nova lei veio em boa hora e atrairá capital novo (sobretudo, estrangeiro) para o agronegócio, aumentando a concorrência entre os players e possibilitando maior acesso a linhas de crédito pelos produtores e demais integrantes da cadeia produtiva, com taxas mais competitivas. Todavia, os desafios jurídicos para estruturação de operações financeiras via CPR e CIR impõem uma cuidadosa avaliação técnica.

Fonte: Valor Econômico
Imagem: Freepik – Banco de imagem

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