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Um dos muitos impactos causados pela pandemia de covid-19 se materializa, de forma intensa, na economia, que passa por um período de crise e insegurança com a paralisação de atividades de diversos setores e a alta volatilidade de preços e moedas.

O surgimento de um novo vírus altamente contagioso e com rápido potencial de disseminação, acarretou um quadro de pandemia com consequências sanitárias, sociais, econômicas e financeiras de ordem global, considerado pela Organização das Nações Unidas (“ONU”) como o maior desafio que o mundo já enfrentou desde a Segunda Guerra Mundial1.

Nesse cenário, um dos muitos impactos causados pela pandemia de covid-19 se materializa, de forma intensa, na economia, que passa por um período de crise e insegurança com a paralisação de atividades de diversos setores e a alta volatilidade de preços e moedas.

Em tempos de pandemia com reflexos imprevisíveis na atividade empresarial, é preciso que haja uma mudança de cultura dos operadores de direito e do Judiciário em prol de soluções consensuais prévias e criativas, visando à composição de possíveis litígios judiciais. Mesmo porque, se todas as empresas descumprirem seus contratos já em execução e procurarem o Poder Judiciário para resolver sua crise interna, teremos uma avalanche de processos e o Judiciário não será eficiente para dar uma solução aos anseios das partes.

Por isso, o avanço da pandemia de covid-19 expôs a importância de os Tribunais brasileiros regulamentarem o sistema de mediação pré-processual análogo ao sistema multiportas americano.

Multi-door Courthouse System se caracteriza por não restringir as formas de solução de controvérsias ao Poder Judiciário, oferecendo meios alternativos e, muitas vezes, mais adequados ao tipo de conflito, tais como negociação, conciliação, mediação e arbitragem.

Inspirados no sistema americano, alguns Tribunais de Justiça brasileiros vêm adotando medidas preventivas com o intuito de “achatar a curva” da enxurrada de demandas comerciais decorrentes dos efeitos do covid-19, notadamente no que se refere a ações de recuperação judicial e requerimentos de falência em virtude da pandemia do covid-19.

Um dos principais setores afetados pela pandemia foi a aviação, e não apenas no Brasil, mas no mundo. Impossibilitadas de operar normalmente (no Brasil foram reduzidos cerca de 90% dos voos), as companhias áreas se deparam com diferentes desafios para manter suas atividades, caixa e pagamentos em dia2. Exemplo do que aqui se aduz tem-se no recente pedido de reorganização da Avianca nos Estados Unidos pelos impactos do covid-193.

No Brasil, espera-se ainda um significativo aumento no número de pedidos de recuperação e decretação de falência de pequenas e médias empresas – as mais afetadas pela pandemia4. Para elas, no entanto, haveria ainda um outro empecilho, consubstanciado no elevado custo de recuperações judiciais.

Atentos ao cenário que se apresenta e aos desdobramentos esperados, os Tribunais de Justiça de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro têm mobilizado esforços para criar uma etapa pré-processual simples que permita a empresas endividadas negociarem com os seus credores antes de ajuizarem demandas judiciais.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (“TJSP”), por meio do provimento CG 11/20 publicado em 17.04.205, instituiu o “Projeto-piloto” de conciliação e mediação pré-processuais e virtuais para empresários e sociedades empresárias cujo negócio esteja relacionado à produção e circulação de bens e serviços, a fim de promover a autocomposição de disputas correlacionadas aos efeitos da pandemia.

O procedimento é simples, devendo a parte interessada enviar um requerimento por e-mail ao cerde@tjsp.jus.br solicitando a sessão de conciliação e mediação. No requerimento basta listar o pedido, causa de pedir relacionada à pandemia, qualificação das partes envolvidas e a documentação pertinente.

Após receber a solicitação, o TJSP irá designar, inicialmente, uma audiência de conciliação, devendo a parte requerente promover a ciência da parte requerida. Se as partes não chegarem a termo nesta audiência, será então designada sessão de mediação, presidida por mediador escolhido de comum acordo pelas partes. Não havendo consenso, o mediador será designado pelo próprio TJSP. Caso alcançado o acordo, este será homologado por juiz competente e constituirá título executivo judicial.

Segundo o provimento, o Projeto-piloto funcionará por até 120 dias após o encerramento do “Sistema Remoto de Trabalho” instituído pelo TJSP, podendo ser prorrogado.

Seguindo modelo semelhante e igualmente buscando soluções de autocomposição, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deverá, em breve, publicar ato normativo conjunto estabelecendo a realização de sessões virtuais de mediação em processos judiciais e também em procedimentos extrajudiciais para dirimir disputas decorrentes dos efeitos do covid-19.

A medida tem por objetivo dar tratamento célere à essas disputas bem como evitar o ajuizamento em massa de ações referentes a questões empresariais de insolvência diretamente relacionadas à pandemia.

A mediação pode ser requerida por empresários e sociedades empresárias cujo negócio esteja relacionado à produção e circulação de bens e serviços. Para tanto, a parte interessada deverá enviar o requerimento para nupemec@tjrj.jus.br, informando a qualificação completa das partes, o pedido e a causa de pedir relacionada às consequências da pandemia do covid-19.

A mediação poderá, ainda, ser requerida e realizada em processos tramitando em qualquer grau de jurisdição, sem a interrupção do processo ou dos prazos, salvo acordo entre as partes ou determinação judicial nesse sentido.

Com o mesmo intuito, o Tribunal de Justiça do Paraná instituiu o “CEJUSC Recuperação Judicial”6 de forma experimental na Comarca de Francisco Beltrão, a fim de promover audiências de conciliação ou mediação para que grandes, médios e pequenos empresários possam renegociar seus débitos e evitar a falência. A intenção, segundo o Tribunal, é de expandir o projeto para outras Comarcas e manter suas atividades mesmo depois da retomada das atividades com o fim do estado de pandemia.

Os interessados poderão solicitar para o e-mail dcan@tjpr.jus.br a realização de audiência de conciliação ou mediação, demonstrando sua situação de crise e informando a intenção de negociar com os credores. Aqueles que já estiverem em processo judicial de recuperação também poderão solicitar a mediação ou a conciliação para resolver conflitos.

A instituição dessa nova modalidade pré-processual poderá auxiliar na retomada da economia, trazendo soluções rápidas e de baixo custo, e ao mesmo tempo evitar que haja um colapso no sistema judicial.

O Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) também tem atuado para promover os métodos alternativos de solução de conflitos. Em notícia recentemente veiculada pelo Valor Econômico7, o CNJ informou que lançará uma plataforma on-line para realização de audiências de conciliação e mediação que, em um primeiro momento, auxiliará a solucionar conflito relacionados à covid-19. A intenção do CNJ é, posteriormente, expandir o uso da plataforma para solução de todas as questões e, ainda, para tratar de ações coletivas.

A nova plataforma está sendo desenvolvida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e conta com o financiamento de grandes empresas do país, especialmente do setor aéreo, de energia, telecomunicações, saúde e bancário, bem como suas respectivas associações e federações.

Além das referidas iniciativas voltadas ao período da pandemia, vale lembrar que o CNJ já havia editado a resolução 125 em 2010 incentivando a conciliação e mediação, prestando, com isso, um grande serviço ao país ao estimulá-las.

As aprovações do Novo Código de Processo Civil (lei 13.105 de 2015) e da Lei de Mediação (lei 13.140 de 2015) também evidenciam estímulos para que mecanismos de solução de conflitos, especialmente os consensuais como a mediação e a conciliação, efetivamente se consolidem no país.

Sem dúvida a pandemia e a urgência de implementar um sistema multiportas eficiente para solucionar as questões relacionadas ao covid-19 exigiu das Cortes brasileiras uma resposta imediata para evitar uma proliferação de ações judiciais bem como uma sobrecarga do Judiciário.

Soluções semelhantes talvez sejam também interessantes para a renegociação de dívidas e débitos com a administração pública, como, por exemplo, para reequilibrar contratos com concessionárias de serviço abalados em decorrência da pandemia de covid-19. Claro que, observadas as particularidades de quando se contrata com o Poder Público, a realização de audiências de conciliação ou mediação, nos Tribunais ou nos próprios órgãos públicos, pode também evitar a disseminação de novas demandas judiciais.

O que se observa, até o momento, é uma grande evolução na cultura brasileira de judicialização oportunizada pela crise pandêmica, possibilitando igualmente a criação de novas ferramentas para desafogar o Judiciário e promover soluções mais céleres às partes.

Fonte: Migalhas – Ana Carolina Reis e Julia Triani Oliveira
Foto: Freepik – Banco de imagem

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