Para manutenção da empresa em vez de pagar os credores
Desembargador acatou argumentação da empresa de que dinheiro é essencial para evitar falência uma vez que demanda caiu por causa da pandemia do novo coronavírus. Dívidas serão pagas depois de Itapemirim teve de assumir compromisso
ADAMO BAZANI
O desembargador João de Oliveira Rodrigues Filho, da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo analisou uma série de pedidos sobre a recuperação judicial das empresas do Grupo da Viação Itapemirim.
Um deles foi feito pela própria Itapemirim e atendido pelo desembargador que é o de utilizar 80% dos valores realizados nos leilões de imóveis e outros patrimônios para manutenção das atividades neste momento.
A Itapemirim argumentou que por causa da crise da pandemia da Covid-19, que surgiu na China e se alastrou pelo mundo todo, houve uma drástica queda de demanda de passageiros. As restrições necessárias feitas por governadores para evitar o crescimento do ritmo de contágio afetou principalmente os transportes interestaduais, principal atividade da empresa.
O desembargador, em sua decisão, entendeu que a Itapemirim demonstrou capacidade e viabilidade econômica antes da pandemia, inclusive com previsão de 11% de faturamento.
A recuperanda na sua petição de fls. 53.880/53.891 trouxe números nos quais, antes da pandemia, tinha previsão de saldo positivo das operações em 2020, com incremento de 11% de faturamento em cotejo com o ano anterior.
O magistrado ainda destacou que antes do pedido de utilizar 80% dos recursos do leilão, a Itapemirim tentou outras maneiras de amenizar os impactos da crise, seja reduzindo custos de estrutura e com funcionários e renegociando contratos com fornecedores.
O grupo já tem adotados medidas para diminuir os prejuízos experimentados e para a redução dos custos de operação, já que não se tem notícias de quando haverá o retorno ao convívio social nem em que medidas isso será implementado. Entre as medidas adotadas destacam-se: redução de quadro operacional; redução carga horária de trabalho; férias de funcionários; corte de contratos com terceiros; redução do uso de veículos fretados de terceiros; preservação da frota atual própria para a operação reduzida; negociação com fornecedores de serviços, peças, pneus, plano de saúde, rodoviárias, sistemas e; redução da oferta de horários e rotas.
O desembargador identificou que a Itapemirim possui grandes chances de não ir para falência.
Dentro de um contexto de normalidade, as recuperandas demonstraram a sua capacidade de soerguimento e sobrevivência, com o incremento de faturamento em 2020 em cotejo com o mesmo período do ano anterior. Logo, é uma estrutura econômica com potencial de recuperação na volta da normalidade do convívio social. Ademais, o grupo vinha mantendo os benefícios sociais decorrentes do exercício de atividade empresarial, insculpidos no art. 47 da Lei 11.101/2005.
Portanto, diante da quadra extraordinária e imprevisível ocasionada pela pandemia, das orientações dadas pelo CNJ através da Recomendação 63/2020, dos dispositivos acima mencionados do CPC e da previsão constante do art. 479 do CC, para se amalgamar os fins da recuperação judicial e os interesses e direitos de credores e devedores, tudo para se evitar a extinção prematura das estruturas econômicas existentes, é de se deferir o pedido de levantamento de valores constantes nos autos e nos termos da petição de fls. 53.880/53.891, com as recomendações propostas pelo administrador judicial às fls. 54.355/54.361, a fim de que, neste momento, se utilize de 80% do numerário para o custeio da operação, justamente para a sobrevivência da estrutura econômica existente, que possui potencial de recuperação e cumpre a sua função social, destinando-se, por ora, 20% para o pagamento dos credores do PRJ.
O magistrado lembrou que a outras decisões que viraram jurisprudência permitiram a flexibilização de cronogramas de recuperação judicial para a manutenção de empresas em casos de casos de força maior.
Assim, seguindo as orientações do CNJ, mormente diante da previsão do art. 4º da Recomendação 63/2020, permite-se a flexibilização momentânea de cumprimento do plano, com fulcro em critérios de legalidade contidos na teoria da imprevisão (art. 479 do CC) e da flexibilização do procedimento nos termos do CPC, até que em momento mais oportuno se possa avaliar a necessidade de apresentação de aditivo e se equacione o adimplemento dos créditos extraconcursais.
Há notoriedade do nexo de causalidade dos impactos da pandemia nas atividades do grupo em recuperação judicial, cujo objeto é o transporte interestadual de pessoas e isso restou severamente prejudicado diante da diminuição do fluxo de circulação decorrente das medidas de isolamento social impostas pelas autoridades governamentais ao lado do fechamento de algumas fronteiras estaduais e rodoviárias, o que certamente tornou ainda mais intensa a retração de atividades.
O juiz condicionou a aceitação do pedido a uma série de obrigações por parte da Itapemirim, como a relação dos credores que vão receber os 20% restantes dos valores, prestação de contas detalhadas sobre como serão os gastos destes 80% e a garantia de que estes 80% serão pagos com correção.
Diante de todo o exposto, defiro o levantamento dos valores nos moldes pretendidos pelas recuperandas, na petição de fls. 53.880/53.991, determinando a expedição de MLE a partir da disponibilização desta decisão no DJe, diante da urgência do caso, visualizada na necessidade de injeção imediata de recursos para manutenção da estrutura econômica severamente prejudicada pelas medidas de isolamento social determinadas para combate da pandemia do COVID-19, nos termos da fundamentação acima, com as recomendação trazidas pelo administrador judicial, a saber:
- A prestação de contas detalhada em relação aos credores que serão pagos com os recursos referentes aos 20%, em atendimento às recomendações do CNJ, indicando inclusive a listagem individual de nomes, no prazo de 5 dias a contar da decisão judicial a ser proferida;
- A prestação de contas detalhada acerca dos recursos referentes aos 80%, especificando o destino destes valores e a efetiva demonstração de seu uso como forma de amenizar os problemas financeiros ocasionados pela pandemia; e
- O compromisso das Recuperandas no caso de haver insuficiência futura de valores nos próximos leilões a serem destinados aos credores, na forma do plano de recuperação judicial, para restituir a respectiva antecipação, em aportar valores complementares visando o devido cumprimento do plano, sob pena de imediata decretação de falência.
O magistrado negou, na mesma decisão, o pedido por parte de Camila Correa Cola que queria suspender os próximos leilões por causa da pandemia. Cola alegou que poderia haver menos interessados e valores menores já que o momento é de crise econômica. O desembargador, entretanto, alegou que os leilões podem ser oportunidades de recebimento de recursos nesta situação de crise.
Indefiro o requerimento. Não há qualquer fato novo que permitisse deliberação sobre questão já preclusa. A continuidade dos leilões se mostra imprescindível para a continuidade do cumprimento do plano de recuperação judicial, do qual a peticionária é beneficiária, uma vez que a situação ocasionada pela pandemia do COVID-19 trouxe severas restrições à operação refletindo negativamente no seu faturamento e no processo de seu soerguimento. Assim, a continuidade de venda dos bens é a alternativa mais imediata e plausível para manutenção da estrutura econômica e, consequentemente, da preservação dos empregos, da fonte produtora e de arrecadação de tributos e, no caso da requerente, de possibilidade de cumprimento do plano do qual ela é beneficiária direta.
Fonte: Diário do Transporte – Adamo Bazani
Foto: Renato Oliveira de Araujo