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Para controlar efeitos jurídicos da Covid-19

A análise recairá sobre o conjunto de normas que Governo Federal da Alemanha propôs e o Parlamento aprovou no dia 26/3, para adaptar a legislação aos efeitos da pandemia do Covid-19. Elas compreendem diversas intervenções no âmbito dos Direitos Civil, Empresarial, Falimentar e Recuperacional e Processual Penal. Nesta coluna, examinar-se-ão apenas matérias de Direito Privado. Elas deverão somar-se a medidas executivas, já anunciadas via meios de comunicação social pela chanceler Angela Merkel, no âmbito financeiro, tributário e bancário (mútuos a fundo perdido, isenções fiscais de emergência e aportes de capital no sistema financeiro).

As principais alterações são as seguintes:

a) Direito Falimentar e Recuperacional. A obrigação legal do devedor de requerer a própria falência estará suspensa até 30 de setembro de 2020, se a causa da insolvência for decorrente da pandemia. Presume-se que não houve essa relação de causalidade se até 31 de dezembro de 2019 o devedor já se encontrasse em situação de insolvência de fluxo de caixa. O pedido de falência por terceiros (credores) só será processado se a causa for um acontecimento anterior a 1º de março de 2020.

O prazo de 30 de setembro de 2020 poderá ser dilatado por decisão do Ministério de Justiça e de Proteção do Consumidor alemão até 31 de março de 2021, em caso de comprovada necessidade.

Ademais, há permissão para que os diretores de empresas devedoras contraiam todas as obrigações necessárias à manutenção e prosseguimento das atividades empresariais, bem como aquelas necessárias para a própria reestruturação. Tal medida é relevante uma vez que, nos termos da legislação alemã atualmente vigente, os diretores estão restritos a contrair obrigações estritamente necessárias para evitar a total ruína dos negócios, uma vez verificados os requisitos legais de insolvência.

b) Direito Societário, associações, cooperativas e condomínios. Neste grupo de medidas, compreender-se-ão áreas distintas como o Direito Societário, a regulação de associações e cooperativas, bem como os condomínios edilícios. As sociedades comerciais, as associações, as cooperativas e os condomínios poderão realizar assembleias (ordinárias e extraordinárias), bem assim reuniões de conselhos e da diretoria, sem a presença física de acionistas, sócios, associados, cooperados e condôminos.

No caso das sociedades por ações, a assembleia sem a presença física de acionistas poderá ser realizada desde que satisfeitos determinados requisitos: (i) a assembleia deverá ser transmitida eletronicamente; (ii) deverá ser assegurado aos acionistas o direito de votar por meio virtual;  os direitos de interpelar, questionar, obter respostas e esclarecimentos junto , aos diretores e administradores, bem como o direito de contestar deliberações sem que estejam fisicamente presentes. O prazo para convocação de assembleias cairá para 21 dias. Ainda no âmbito das sociedades, os órgãos de administração passam a ter prerrogativa para deliberar pela antecipação de dividendos relativos ao último exercício, independentemente de previsão estatutária, observados os limites dispostos na proposta.

Quanto às cooperativas, a nova regra permitirá a tomada de decisões, por escrito ou eletronicamente, independentemente de previsão em seus atos constitutivos. Admitir-se-á, ainda, que as demonstrações financeiras sejam aprovadas pelo conselho fiscal e não pela assembleia geral. Os diretores poderão estender seus mandatos para além do termo fixado quando de suas eleições, até a retirada ou eleição de sucessor. Permite-se, por fim, que os órgãos deliberativos possam funcionar com número de membros abaixo do quórum previsto.

No que se refere às associações, idêntica regra de permanência dos gestores nos cargos, além do período previsto nos estatutos, é fixada. Do mesmo modo que se considerarão válidas as decisões tomadas por escrito ou eletronicamente, independentemente de previsão em seus atos constitutivos.

Os condomínios também são favorecidos pela manutenção dos síndicos, mesmo com mandato expirado. O último orçamento aprovado permanecerá eficaz enquanto não deliberado novo orçamento condominial.

Conferem-se poderes ao Ministério da Justiça e de Proteção do Consumidor, independentemente de nova autorização legislativa, para estender temporalmente essas medidas até 31 de dezembro de 2021, em caso de comprovada necessidade.

c) Direito das Obrigações e dos Contratos. As obrigações pecuniárias, decorrentes de contratos firmados anteriormente a 8 de março de 2020, poderão se sujeitar às seguintes regras: (i) o devedor que alegar a impossibilidade temporária de prestação, poderá dilatar o termo para cumprimento das obrigações até 30 de setembro de 2020; (ii) desde que em razão de causas relacionadas à pandemia. Neste caso, deve-se cumprir um dos seguintes requisitos: (a) no caso de pessoas naturais, o comprometimento dos meios necessários à subsistência do devedor, seus dependentes; (b) no caso de pessoas jurídicas, o pagamento implique a não conservação da viabilidade econômica de suas atividades. Ademais, cumpre ressaltar que não é realizada distinção entre obrigações pecuniárias e não-pecuniárias no texto, sendo possível presumir que tais regras serão aplicadas também a obrigações não-pecuniárias.

Essa possibilidade excepcional de diferimento do termo das prestações será excepcionada se: (a) gerar prejuízos intoleráveis ao credor; (b) conflite com as regras de Direito Internacional aplicáveis ao comércio de mercadorias, o que se pressupõe aqui a Convenção de Viena para compra e venda de mercadorias. Presente a hipótese (a), o devedor passará a poder exercer a pretensão de resolução do contrato sem incorrer em multas ou quaisquer outras penalidades.

Haverá, contudo, regras específicas para determinados regimes jurídicos ou espécies negociais: contratos de mútuo e contratos de locação (predial urbana residencial e não residencial).

(a) Contratos de locação: O pagamento dos alugueres será mantido, sem dilação do termo prestacional. Os locadores, contudo, não poderão pleitear a resolução por inadimplemento entre 1º de abril de 2020 e 30 de setembro de 2020, o que, na prática, se impede o despejo. Permanecerá, no entanto, o direito de se cobrar eventuais alugueres atrasados.

(b) Contratos de mútuo. Em relação aos contratos de mútuo celebrados anteriormente a 8 de março de 2020, as pretensões cujo objeto recaia sobre principal, juros ou repactuações terão a exigibilidade judicial dilatada por seis meses, caso o devedor tenha sofrido redução de renda decorrente dos efeitos da pandemia. Aqui se aplicam as condições alternativa já referidas, em caráter alternativo: (a) demonstração do comprometimento dos meios necessários à subsistência do devedor, seus dependentes; (b) prova de que o pagamento implique a não conservação da viabilidade econômica de suas atividades. Ademais, é estabelecida presunção de que a pandemia gerou queda na renda do devedor.

O credor não poderá pleitear a resolução contratual até 30 de setembro de 2020. Caso as partes não entrem em acordo até esta data, haverá extensão do prazo do contrato por seis meses.

d) Direito Processual Penal. A legislação processual penal alemã é notadamente rigorosa em relação ao cumprimento de prazos, especialmente no tocante ao período transcorrido entre audiências, sendo certo que o seu descumprimento pode acarretar inclusive a nulidade de provas e a condução de novo julgamento. Considerando a exiguidade de tais prazos da legislação processual penal alemã em face da pandemia, a proposta visa a ampliar tais prazos para a condução do processo penal.

Essas medidas foram aprovadas no gabinete da Chancelaria Federal no dia de hoje e serão enviadas ao Parlamento, onde se espera sejam aprovadas em rápida votação.

Na prática, as alterações legislativas criam mecanismos de: (a) dilação de termos de obrigações contratuais; (b) permitem a invocação da “exceção de ruína pessoal” – algo que os alemães já admitem desde a crise da hiperinflação dos anos 1930, mas não é aceita pela jurisprudência brasileira, até em razão do regime processual de execução civil do devedor insolvente em vigor no país desde o século XX; (c) permite que se descaracterizem efeitos da mora para futuros pagamentos, ainda que não se crie uma hipótese de liberação geral de devedores.

Fonte: ConJur – Consultório Jurídico
Foto: Divulgação / Governo do Estado – MT

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