O prazo de 180 dias de suspensão das execuções contra a empresa em recuperação judicial – o chamado stay period –, previsto no parágrafo 4º do artigo 6º da Lei 11.101/2005, deve ser contado em dias corridos, mesmo após as novas regras do Código de Processo Civil de 2015.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um banco credor para determinar que o prazo usufruído pela empresa em recuperação seja de 180 dias corridos, reservada ao juízo competente a possibilidade de prorrogação, se necessária.
A decisão unifica a posição do STJ sobre o tema, pois a Quarta Turma já havia se manifestado no mesmo sentido.
Na origem, o juízo de direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Aparecida de Goiânia (GO) deferiu o pedido de recuperação judicial de uma empresa de fertilizantes e ordenou a suspensão de todas as execuções contra ela por 180 dias “úteis”.
Natureza material
Ao negar o recurso do banco contra a decisão, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) afirmou que o CPC/2015 modificou o cômputo dos prazos processuais para dias úteis e, portanto, a mesma lógica deveria ser aplicada à suspensão de execuções prevista na Lei de Falência e Recuperação de Empresas.
Para o ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso do banco no STJ, a contagem do prazo em dias corridos deve se dar pela natureza material do direito, e não pela incompatibilidade do CPC/2015 com o regime estabelecido na Lei de Falência.
A forma de contagem em dias úteis estabelecida pelo CPC/2015, segundo o relator, somente tem aplicação a determinado prazo previsto na Lei 11.101/2005 se este se revestir de natureza processual e desde que a norma se compatibilize com a lógica temporal adotada pelo legislador na Lei de Falência.
Prazos correlatos
O ministro ressaltou que o prazo de 180 dias é um benefício legal conferido à recuperanda “absolutamente indispensável” para que ela possa regularizar e reorganizar as suas contas com vistas à reestruturação.
“Dessa forma, tem-se que o stay period reveste-se de natureza material, nada se referindo à prática de atos processuais ou à atividade jurisdicional em si, devendo sua contagem dar-se, pois, em dias corridos”, declarou o relator.
Bellizze destacou que os prazos diretamente relacionados ao stay period deverão se conformar com o modo de contagem contínuo, a fim de se alinhar à lógica temporal do processo de recuperação imposta pelo legislador especial.
De acordo com o ministro, foi a primeira vez que essa questão chegou à Terceira Turma do STJ. Ele mencionou que, recentemente, a Quarta Turma analisou o tema e também decidiu pela contagem do prazo em dias corridos, por ocasião do julgamento do REsp 1.699.528.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.698.283 – GO (2017/0235066-3)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : BANCO VOTORANTIM S.A.
ADVOGADO : BRUNO HENRIQUE DE OLIVEIRA VANDERLEI E OUTRO(S) – PE021678
SOC. de ADV. : BRUNO VANDERLEI ADVOGADOS ASSOCIADOS
RECORRIDO : FERTILIZANTES ALIANCA EIRELI EM RECUPERACAO JUDICIAL
ADVOGADOS : MIGUEL ÂNGELO SAMPAIO CANÇADO – GO008010
HANNA MTANIOS HANNA JUNIOR E OUTRO(S) – GO016599
BRENNER BATISTA CHAGAS – GO041600
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. DISCUSSÃO QUANTO À FORMA DE
CONTAGEM DO PRAZO PREVISTO NO ART. 6º, § 4º, DA LEI N. 11.101/2005 (STAY
PERIOD), SE CONTÍNUA OU SE EM DIAS ÚTEIS, EM RAZÃO DO ADVENTO DO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI ADJETIVA CIVIL À LRF
APENAS NAQUILO QUE FOR COMPATÍVEL COM AS SUA PARTICULARIDADES, NO CASO,
COM A SUA UNIDADE LÓGICO-TEMPORAL. PRAZO MATERIAL. RECONHECIMENTO.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, que inovou a forma de
contagem dos prazos processuais em dias úteis, adveio intenso debate no âmbito acadêmico
e doutrinário, seguido da prolação de decisões díspares nas instâncias ordinárias, quanto à
forma de contagem dos prazos previstos na Lei de Recuperações e Falência — destacadamente acerca do lapso de 180 (cento e oitenta) dias de suspensão das ações
executivas e de cobrança contra a recuperanda, previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n.
11.101/2005.
2. Dos regramentos legais (arts. 219 CPC/2015, c.c 1.046, § 2º, e 189 da Lei n.
11.101/2005), ressai claro que o Código de Processo Civil, notadamente quanto à forma de
contagem em dias úteis, somente se aplicará aos prazos previstos na Lei n. 11.101/2005 que
se revistam da qualidade de processual.
2.1 Sem olvidar a dificuldade, de ordem prática, de se identificar a natureza de determinado
prazo, se material ou processual, cuja determinação não se despoja, ao menos
integralmente, de algum grau de subjetivismo, este é o critério legal imposto ao intérprete do
qual ele não se pode apartar.
2.2 A aplicação do CPC/2015, no que se insere a forma de contagem em dias úteis dos
prazos processuais previstos em leis especiais, somente se afigura possível “no que couber”;
naquilo que não refugir de suas particularidades inerentes. Em outras palavras, a aplicação
subsidiária do CPC/2015, quanto à forma de contagem em dias úteis do prazos processuais
previstos na Lei n. 11.101/2005, apenas se mostra admissível se não contrariar a lógica
temporal estabelecida na lei especial em comento.
2.3 Em resumo, constituem requisitos necessários à aplicação subsidiária do CPC/2015, no
que tange à forma de contagem em dias úteis nos prazos estabelecidos na LRF,
simultaneamente: primeiro, se tratar de prazo processual; e segundo, não contrariar a
lógica temporal estabelecida na Lei n. 11.101/2005.
3. A Lei n. 11.101/2005, ao erigir o microssistema recuperacional e falimentar, estabeleceu, a
par dos institutos e das finalidades que lhe são próprios, o modo e o ritmo pelo qual se
desenvolvem os atos destinados à liquidação dos ativos do devedor, no caso da falência, e
ao soerguimento econômico da empresa em crise financeira, na recuperação.
4. O sistema de prazos adotado pelo legislador especial guarda, em si, uma lógica temporal a
qual se encontram submetidos todos os atos a serem praticados e desenvolvidos no bojo do
processo recuperacional ou falimentar, bem como os efeitos que deles dimanam — que, não
raras às vezes, repercutem inclusive fora do processo e na esfera jurídica de quem sequer é
parte.
4.1 Essa lógica adotada pelo legislador especial pode ser claramente percebida na fixação
do prazo sob comento — o stay period, previsto no art. 6º, § 4º da Lei n. 11.101/2005 —, em
relação a qual gravitam praticamente todos os demais atos subsequentes a serem realizados
na recuperação judicial, assumindo, pois, papel estruturante, indiscutivelmente. Revela, de
modo inequívoco, a necessidade de se impor celeridade e efetividade ao processo de
recuperação judicial, notadamente pelo cenário de incertezas quanto à solvibilidade e à
recuperabilidade da empresa devedora e pelo sacrifício imposto aos credores, com o
propósito de minorar prejuízos já concretizados.
5. Nesse período de blindagem legal, devedor e credores realizam, no âmbito do processo
recuperacional, uma série de atos voltados à consecução da assembleia geral de credores, a
fim de propiciar a votação e aprovação do plano de recuperação apresentado pelo devedor,
com posterior homologação judicial. Esses atos, em específico, ainda que desenvolvidos no
bojo do processo recuperacional, referem-se diretamente à relação material de liquidação,
constituindo verdadeiro exercício de direitos (atrelados à relação creditícia subjacente),
destinado a equacionar os interesses contrapostos decorrente do inadimplemento das
obrigações estabelecidas, individualmente, entre a devedora e cada um de seus credores.
5.1 Ainda que a presente controvérsia se restrinja ao stay period, por se tratar de prazo
estrutural ao processo recuperacional, de suma relevância consignar que os prazos
diretamente a ele adstritos devem seguir a mesma forma de contagem, seja porque
ostentam a natureza material, seja porque se afigura impositivo alinhar o curso do processo
recuperacional, que se almeja ser célere e efetivo, com o período de blindagem legal,
segundo a lógica temporal impressa na Lei n. 11.101/2005.
5.2 Tem-se, assim, que os correlatos prazos possuem, em verdade, natureza material, o que
se revela suficiente, por si, para afastar a incidência do CPC/2015, no tocante à forma de
contagem em dias úteis.
6. Não se pode conceber, assim, que o prazo do stay period, previsto no art. no art. 6º, § 4º
da Lei n. 11.101/2005, seja alterado, por interpretação extensiva, em virtude da
superveniência de lei geral adjetiva civil, no caso, o CPC/2015, que passou a contar os
prazos processuais em dias úteis, primeiro porque a modificação legislativa passa
completamente ao largo da necessidade de se observar a unidade lógico-temporal
estabelecida na lei especial; e, segundo (e não menos importante), porque de prazo
processual não se trata — com a vênia de autorizadas vozes que compreendem de modo
diverso.
7. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 21 de maio de 2019 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator
Fonte: DireitoNet.