O Banco Central (BC) passará a exigir que os bancos incorporem fatores sociais, ambientais e climáticos às suas políticas de gerenciamento de riscos. A medida sinaliza a percepção do regulador de que essas questões podem ter impacto na estabilidade do sistema financeiro em meio à pressão crescente de investidores e da sociedade.
Esses aspectos serão considerados lado a lado com riscos de crédito, liquidez e mercado no cálculo que as instituições financeiras fazem sobre a exposição que aceitam ter para realizar suas operações. Na prática, passarão a ser contemplados na declaração de apetite a risco que os bancos entregam ao regulador e nos testes de estresse a que estão sujeitos. Hoje, fatores socioambientais já são alvo de acompanhamento, mas não de forma integrada com os demais.
A medida faz parte de minuta colocada em consulta pública pelo BC neste mês para substituir a resolução 4.327, aprovada em 2014. A proposta também abrange uma reforma das regras de responsabilidade socioambiental dos bancos – consideradas pioneiras na época, mas vistas como insuficientes atualmente.
A intenção do regulador é que o novo texto seja mais específico e reflita conceitos que ganharam força nos últimos anos. A minuta descreve explicitamente assédio, discriminação racial e de gênero, trabalho infantil, desmatamento ilegal e acidentes ambientais como alguns dos riscos que devem ser observados pelos bancos ao fazer operações com clientes.
O BC pretende tornar o clima um fator específico a ser monitorado diante da possibilidade de perdas para as instituições financeiras na transição para uma economia de baixo carbono e de mudanças nas condições ambientais decorrentes do aquecimento global.
Alterações climáticas e a evolução do debate internacional levaram o regulador a rever a norma, diz Kathleen Krause, chefe adjunta do Departamento de Regulação Prudencial e Cambial do BC. “As instituições podem ter perdas, por exemplo, se financiarem indústrias que deixam de ser competitivas numa economia de baixo carbono, ou se tiverem como garantia um imóvel em área sujeita a intempéries relacionadas à mudança climática”, afirma.
A consulta pública 85 ficará aberta por dois meses e é uma das iniciativas de sustentabilidade da agenda do BC. Outra consulta, sobre critérios socioambientais para o crédito rural, foi encerrada na sexta-feira. Uma terceira está prevista para ser lançada nesta semana, com a incorporação de recomendações de uma força-tarefa internacional (TCFD) para um maior detalhamento, pelos bancos, sobre a sustentabilidade dos projetos que financiam. “Investidores têm dedicado parte significativa de seus portfólios para projetos ESG [sigla em inglês para padrões ambientais, sociais e de governança]”, afirmou o diretor de regulação do BC, Otávio Damaso, em evento da Acrefi na semana passada. “O setor financeiro tem que olhar esse movimento como oportunidade.”
O BC não deve proibir os bancos de fazer nenhuma operação. A ideia é definir parâmetros e fazer com que as instituições deem mais transparência às suas práticas. “O BC pode agir, mas é a própria sociedade que vai cada vez mais questionar”, afirma David Valente, chefe de divisão do Departamento de Regulação.
O desafio será estipular métricas e limites para balizar a pressão que os bancos poderão fazer sobre seus clientes. Para a advogada Lina Pimentel, sócia do escritório Mattos Filho, a tendência é que os bancos façam exigências nos contratos que, se descumpridas, levem ao vencimento antecipado das operações de crédito, como já se faz hoje. “É uma norma programática. Não barra as operações, mas [o crédito] vai sair mais caro para quem tiver uma conduta menos desejável.”
Bancos procurados pelo Valor não quiseram comentar a proposta porque ainda estão avaliando o teor dela. Para um executivo ligado ao setor, o movimento mostra que o BC está preocupado com a saúde das instituições num mundo em transição. No fim do dia, afirma, é bom para elas, que já têm procurado melhorar suas práticas. Mas essa fonte defende que o regulador adote critérios claros para que o controle seja efetivo.
A regra deve gerar custos ainda que defina exigências proporcionais ao porte dos bancos, avalia Pedro Eroles, também sócio do Mattos Filho. “As instituições vão precisar ter estruturas específicas para gerenciar esses riscos”, afirma.
Fonte: Valor Investe
Imagem: Pixabay