Por Ferraz Jr
O Brasil vive uma “febre” de startups. Em 2011, existiam no País 600 dessas empresas; no ano passado, já eram 12,7 mil startups, um crescimento de mais de 2.000% em apenas dez anos. Os dados são da Associação Brasileira de Startups (Abstartups) e mostram que esse crescimento vertiginoso criou uma demanda por regulamentação do setor, o que originou o Marco Legal das startups, como é chamado o Projeto de Lei Complementar (PLC) 146/2019, aprovado em dezembro do ano passado na Câmara dos Deputados, que aguarda tramitação no Senado Federal.
O Marco Legal é resultado de dois anos de discussão, com consulta pública e participação de diversas entidades de apoio ao empreendedorismo e à inovação. “É sempre difícil chegar num consenso, num denominador comum, até porque são muitos os atores envolvidos nesse debate, mas, de certa forma, traz grandes avanços que há muito tempo eram pleiteados por empresas, investidores e gestores de habitats de inovação”, assegura Dalton Siqueira Pitta Marques, gerente do Supera Parque de Inovação e Tecnologia, que funciona na USP em Ribeirão Preto e possui 71 startups, sendo 53 incubadas.
Marques cita alguns avanços que o Marco Legal pode trazer para o setor. Entre eles, está a prioridade de análise para pedido de patente e registro de marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). “Outro avanço é que o Marco cria uma modalidade especial de licitação, permitindo que a administração pública contrate exclusivamente startups. Embora o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação já permitisse essa modalidade, houve pouco resultado prático, pois estava restrito a encomendas tecnológicas.”
Outro aspecto positivo, segundo Marques, é que o Marco Legal traz para o setor a possibilidade de remuneração por stock options, ou seja, que a startup ofereça a seus funcionários a opção de compra de ações da própria empresa em troca de um salário menor no início da operação, quando a empresa tem pouca receita e menor capacidade financeira para pagamento de altos salários.
Investimentos em startups
A capacidade de atrair novos investimentos pode ser positiva para o setor com o Marco Legal em vigor. Um problema a ser resolvido, já que 73,2% das startups brasileiras ainda não tinham conseguido nenhum investimento até 2020, segundo a Abstartups. “O Marco estabelece um ambiente jurídico mais claro, traz mais segurança institucional. Por exemplo, o investidor-anjo não necessariamente será considerado sócio da empresa, nem participará da gestão. Consequentemente, ele não vai responder por qualquer obrigação da empresa, inclusive suas dívidas, a não ser, claro, em caso de dolo ou fraude”, analisa Marques.
Já o investidor pessoa física, segundo o gerente do Supera, fica autorizado a fazer uma espécie de compensação de perdas e ganhos no imposto de renda, ou seja, se alguns investimentos feitos são lucrativos, mas outros dão prejuízo, o que é corriqueiro em negócios de base tecnológica, antes de apurar o imposto sobre o ganho ele pode deduzir os prejuízos ocorridos.
Para facilitar a atração de investimentos, há medidas de desburocratização. O projeto de lei sugere o sandbox regulatório, ou seja a implementação de um sistema que flexibiliza normas já existentes de órgãos regulatórios como a Anvisa e a Anatel. “Esses órgãos poderiam criar menos exigências para as startups, suspendendo algumas obrigações, desde que fiquem claros quais são os critérios para enquadramento como startup, qual seria a duração desse regime de privilégio regulatório e até onde iriam esses privilégios. Isso cria um ambiente mais favorável para as startups se desenvolverem, testarem suas tecnologias e chegarem logo ao mercado”.
Os problemas da Proposta de Lei
O especialista em Direito Empresarial e Societário Marcelo Godke Veiga, doutorando da Faculdade de Direito (FD) da USP, acredita que o Marco Legal é um avanço, mas faz ressalvas. “Gostaria de uma lei mais flexível, com menos categorias e classes predefinidas. Isso não ajuda. A lei deveria permitir que as partes negociem livremente o aporte de recursos. Do jeito que está, há regras muito rígidas que vão dificultar as negociações entre as partes”, afirma.
Para o especialista, o projeto de lei pode atrair mais capital, mas dificilmente de quem quiser virar sócio da startup. “Ao invés de proteger o sócio, a lei fala que a pessoa não deveria virar sócio. Quem deve determinar a estrutura de capital é a sociedade, a empresa, e não a lei. Isso é um ponto negativo que eu não gosto no Marco Legal das startups”, conclui.
Imagem: Pixabay
Fonte: Jornal da USP