Fazenda Pública poderá ser incluída em plataforma desenvolvida pelo CNJ
Empresas e trabalhadores poderão fechar acordos de forma on-line com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – um dos três maiores litigantes do país. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pretende incluir a Fazenda Pública entre os participantes da plataforma que lançará neste mês para a realização de sessões de mediação on-line.
Na Justiça Federal, em 2018, foram registrados 1,74 milhão de novos casos somente envolvendo o INSS, segundo o CNJ. Embora não exista lei que regulamente a mediação ou conciliação por meio digital, o uso das ferramentas pelo Judiciário é permitido com base no artigo 334 do Código de Processo Civil (CPC).
“Vamos começar com o Tribunal de Justiça de Pernambuco, que já tem a última versão do Processo Judicial Eletrônico e vem dando muito apoio às medidas de mediação e conciliação”, afirma o conselheiro Henrique Ávila, presidente da Comissão de Acesso à Justiça do conselho. “Mas o CNJ e a Secretaria Nacional de Justiça e do Consumidor estão empenhados em colocar a Fazenda Pública nesse projeto”, diz.
É urgente incluir as causas previdenciárias na mediação on-line porque as varas especializadas estão explodindo de processos, segundo Caroline Tauk, magistrada da 31ª Vara Federal do Rio e juíza auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF), do ministro Luís Roberto Barroso. “Nos últimos três anos, registramos em torno de 50% de aumento de novas ações e a tendência é aumentar mais em razão da reforma da Previdência e das causas decorrentes da pandemia”, afirma. “Milhões de pedidos de auxílio-doença de pessoas que não conseguem fazer perícia estão parados no INSS, por exemplo”, diz.
Muitas vezes, acrescenta a juíza, o INSS tem a intenção de conciliar, mas o processo já chega judicializado porque a Advocacia-Geral da União (AGU) não tem contato prévio com os segurados. “Existem diversas causas em que o ganho da causa na Justiça pelo segurado é notório, mas pelo princípio da legalidade os servidores não podem deixar de litigar”, afirma. “Por exemplo, o INSS diz que vários agentes químicos não são nocivos, mas temos jurisprudência consagrada de que baseiam aposentadoria especial. Nessas causas, por mediação on-line, poderia ser feito um acordo.”
um projeto de conciliação por WhatsApp com a instituição financeira. “Em uma semana com 200 audiências, ao menos 150 resultaram em acordo”, afirma o desembargador Paulo Domingues.
De acordo com o desembargador, o tribunal também investe em inteligência artificial para detectar quais casos podem ser encaminhados a uma mediação online. Mas, desde abril, conciliações on-line com o INSS, a CEF e a União já começaram a acontecer. Hoje, o magistrado do TRF indica os casos aos servidores do Centro de Conciliação (Cecon). “Os órgãos da União têm cedido quando possível”, acrescenta.
Fernanda Mattar Furtado Suriani, da Procuradoria Regional Federal da 3ª Região, que representa a Fazenda Pública, tem participado dessas audiências de conciliação. “O uso de ferramentas on-line é um caminho sem volta, embora para causas previdenciárias ainda seja necessária uma chancela judicial”, diz.
A pandemia também tem feito advogados refletirem sobre como as questões devem ser resolvidas. “Temos visto um número excessivo de judicialização seja trabalhista, contratual, do âmbito de família, entre outros”, diz Renato Cury, presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).
Cury elogia a plataforma on-line que o CNJ quer criar, mas faz alguns alertas. Para ele, o mediador precisa ter um treinamento especial para mostrar os caminhos do consenso. “Assim como a advocacia deve conhecer como a mediação funciona, quebrando preconceitos”, afirma. Cury aponta ainda que deve haver garantia de um sistema eficaz e seguro para conversas privadas entre clientes e advogados.
O uso do novo portal do CNJ, contudo, não será obrigatório. “Obrigatório é que os tribunais disponibilizem meios para se fazer a mediação on-line, até para cumprir o artigo 334 do CPC”, diz Henrique Ávila.
Durante a pandemia, os tribunais de Justiça do Amazonas, Espírito Santo, Mato Grosso, Goiás e algumas comarcas de Minas Gerais passaram a usar a MOL, que presta o serviço on-line de solução extrajudicial para empresas privadas. “Como os tribunais suspenderam as audiências de mediação e conciliação presenciais, oferecemos a tecnologia por meio de uma campanha pro bono até 31.
Desde então já foram realizadas mais de 1,5 mil audiências pela MOL. “Em média, os tribunais operam com 50% de taxa de comparecimento aos convites para mediação. Aumentamos esse índice para 80% e a taxa de acordo é de 70%”, diz Melissa. “A necessidade de cortes de custo no Judiciário e outros órgãos do meio deve fortalecer as ferramentas on-line.”
Para o juiz coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais do TJ-AM, Gildo Alves de Carvalho Filho, o uso de plataforma on-line é eficiente. “Podemos enviar cartas-convites por SMS, sem usar oficial de justiça, fora a diminuição de custos com energia, água”, afirma. “A assinatura do termo de audiência é feita com código token enviado por e-mail a cada participante, garantindo a fidelidade do documento.”
No TJ-AM, desde o início do uso da ferramenta on-line, em maio, mais de 300 audiências já foram realizadas. Juízes encaminham o processo para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), que pauta e realiza audiência com mediadores do próprio centro. “Houve 70% de adesão à plataforma e 75% de acordos, principalmente em processos de família”, diz Carvalho Filho.
O TJ-SP vai iniciar este mês uma campanha para ampliar a mediação on-line empresarial. Por causa da pandemia, foram lançados dois projetos piloto de conciliação e mediação on-line para empresas em dificuldades para tentar evitar recuperações judiciais, principalmente entre micro e pequenas empresas. “Isso vai gerar uma importante estrutura para a resolução de conflitos empresariais no Cejusc. E a pandemia trouxe esse espírito muito mais voltado à negociação”, afirma Paulo Furtado de Oliveira Filho, juiz da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do TJ-SP.
Fonte: Valor Econômico
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