Clubes da Série A têm dívidas que somam 7 bilhões de reais. Projeto que incentiva modelo empresarial está na agenda do Senado em 2020.
Um dos projetos que estão na fila de espera para aprovação no Congresso Nacional, em 2020, estabelece incentivos para que clubes de futebol, federações e ligas deixem o modelo de associação civil e se convertam em clubes-empresa. Redigido pelo relator Pedro Paulo (DEM-RJ) e abençoado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o texto passou por votação entre os deputados em 27 de novembro.
No Senado, o nome do ex-jogador Romário (PODE-RJ) já foi ventilado para assumir a relatoria, embora o posto ainda não tenha ocupante definido. Também não há previsão de data para que a proposta seja apreciada, mas a expectativa é de que sejam dispensadas análises em comissões e que ela siga direto para a votação no plenário.
Até que isso ocorra, a campanha pelo projeto segue a todo vapor. “Você já parou pra pensar no que acontece se o seu time de coração virar um clube-empresa?”, escreveu Pedro Paulo, em tom entusiasta, pelo Twitter. Na mesma publicação, compartilhou um vídeo promocional do canal “Centro – O Brasil em Movimento”, nome da aliança de cinco partidos liderada por Rodrigo Maia.
A tese central da proposta é a de que os times brasileiros estão altamente endividados e precisam de meios jurídicos seguros para quitarem seus déficits e atraírem investimentos. A estimativa divulgada pelos deputados favoráveis ao projeto é de que as dívidas dos clubes de futebol da Série A, se somadas, chegam a 6,9 bilhões de reais. Só o Botafogo, time de Rodrigo Maia, informa 759,6 milhões de reais em dívidas, segundo nota divulgada em dezembro.
De fato, o Botafogo encabeçou o ranking dos 20 times com maiores dívidas em 2018, segundo estudo divulgado em maio de 2019 pela empresa Sports Value. O time carioca aparece seguido de Internacional, Fluminense, Atlético Mineiro, Vasco da Gama, Corinthians, Palmeiras, Cruzeiro, Santos, Flamengo, Grêmio, Athletico Paranaense, São Paulo, Coritiba, Sport, Bahia, Vitória, Goiás, Chapecoense e Ceará. No relatório, 16 clubes desse ranking apresentam dívidas superiores a 100 milhões de reais.
Não se pode confundir os valores das dívidas com os valores dos déficits, ou seja, dos prejuízos, alerta a Sports Value. Segundo o relatório, em 16 anos, os déficits somam 2,4 bilhões de reais. O estudo aponta que o time que apresentou o maior prejuízo em 2018 foi o Santos, 77,4 milhões de reais. O clube foi seguido do Chapecoense, com 38,7 milhões de déficit; depois, Cruzeiro, com 27,2 milhões; Atlético Mineiro, com 21,9 milhões; em seguida, Corinthians, Botafogo, Sport, Internacional, Vitória, Coritiba e Fluminense.
O balanço sobre 2019 ainda não foi divulgado. A Sports Value prevê algumas alterações, mas avalia que em 2020 será apresentado um dos piores cenários para os times do futebol brasileiro. Segundo a empresa, o problema é que os clubes do país operam com custos acima de suas possibilidades e permanecem muito dependentes dos direitos de televisão e das transferências de atletas. Enquanto isso, os recursos de patrocinadores e diretamente do torcedor são muito baixos. A empresa propõe, portanto, que os clubes incorporem técnicas modernas de gestão corporativa e deixem seu modelo político atual para trás.
Em 12 de dezembro, o Botafogo aprovou a proposta de se converter em clube-empresa. O conselho deliberativo foi unânime. O Cruzeiro, de Minas Gerais, e o Athletico Paranaense também estudam a ideia. A perspectiva é de que poucos times assumam o projeto imediatamente, para que a experiência de alguns poucos seja observada como laboratório. O Flamengo já demonstrou maior resistência: o presidente do time carioca, Rodolfo Landim, chegou a afirmar que o projeto de lei em tramitação “não diz respeito ao futuro do clube”. Também há expectativas sobre a decisão do Corinthians, que já acenou negativamente para o projeto. Pedro Paulo sustenta que é possível que o time paulista decida pela adesão.
O modelo aprovado na Câmara
Com as novas regras, clubes de futebol, federações e ligas podem tornar-se sociedades anônimas (S/A) ou limitadas (LTDA), com ações negociadas na Bolsa de Valores. A adoção do modelo empresarial não é obrigatória. Se quiserem, os clubes podem continuar sendo reconhecidos como associações civis, um modelo de reconhecimento jurídico que tem como vantagem a isenção de recolhimento de determinados impostos.
O modelo empresarial para clubes impõe tributos a mais que a associação, mas a menos que demais empresas. De toda forma, se o clube, antes, não pagava nada, vai passar a pagar mais após a transição. Qual é a vantagem, então? O que Pedro Paulo diz oferecer como incentivo no projeto é o novo processo de renegociação de dívidas e recuperação judicial. Os benefícios estão reunidos em um modelo tributário chamado de Simples-FUT, inspirado no regime de microempresas e empresas de pequeno porte.
O programa vai unificar o Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ), a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para a Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep).
Com o Simples-FUT, o pagamento das dívidas em parcela única terá redução de 95% das multas, 65% dos juros de mora e 100% dos encargos legais. Em três parcelas mensais, a redução é de 94% nas multas, 64% nos juros de mora e 100% dos encargos. Em seis meses, há reduções de 92,5%, 62,5% e 100%; em doze, 90%, 60% e 100%, respectivamente. Nos débitos com a União, o refinanciamento poderá ser em até 60 meses, com desconto em 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos.
“Os clubes sonegaram a vida inteira e ainda recebem dinheiro, graças aos descontos que o Profut ofereceu”, diz presidente da Sports Value, Amir Somoggi.
Não é a primeira vez que o Brasil tenta emplacar um plano para colocar os pagamentos dos clubes em dia. Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou o Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro, o Profut, que obrigava os clubes de futebol a estarem “ok” com suas obrigações fiscais e trabalhistas. A lei previu até o rebaixamento em campeonatos com mais de uma divisão, em caso de times adeptos que não cumprissem os requisitos (mas o Supremo Tribunal Federal suspendeu a medida). O plano oferecia parcelamento da dívida em 240 meses, com redução de 70% das multas, 40% dos juros e 100% dos encargos legais.
Contudo, na opinião de Pedro Paulo, o Profut não vingou e os times não saíram do endividamento. Com o novo projeto de lei, os times endividados poderão pedir processo de recuperação judicial imediatamente após se converterem em empresa. É diferente de uma empresa comum, que precisa comprovar dois anos de atividades para pedir a recuperação, segundo a Lei 11.101, em vigor desde 2005.
De acordo com o deputado, o novo projeto cria um ambiente mais seguro para a quitação rápida de dívidas e, por isso, tem maior potencial de atrair investidores. Para alguns, a equação é simplista. Em debate na emissora SporTV, em 3 de dezembro, a jornalista Gabriela Moreira perguntou a Pedro Paulo: se os clubes, hoje, devem cerca de 7 bilhões de reais, sem pagar imposto, como é que agora, pagando imposto, vão passar a dever menos? “Porque vem investidor”, respondeu o parlamentar. “A gente está contando com isso. Não é nada que a lei crie um arcabouço para tal”, devolveu a jornalista.
O próprio deputado assume que a lei não garante que os times quitem suas dívidas, nem que as gestões sejam competentes, mesmo com a entrada de investidores. A crença é no melhor clima de governança. Sobre a fiscalização, ele evoca o capítulo em que o projeto diz que, independente do tipo de sociedade empresária adotado, o clube deverá divulgar quem são os acionistas com mais de 5% da empresa, para que se saiba a origem dos investimentos. Além disso, o clube deve apresentar um canal que possibilite o recebimento de denúncias de ilicitudes.
É pouco? Na visão de analistas, sim. Ouvido por CartaCapital, o presidente da Sports Value, Amir Somoggi, diz que o projeto não corrige condutas impróprias das gestões e favorece sonegações, justamente por não oferecer uma estrutura mais rígida para evitar ilicitudes e garantir o pagamento dos encargos. Ele é favorável à conversão em clube-empresa, mas diz que o Brasil deveria se espelhar no modelo alemão, em que clubes são acionistas majoritários da nova empresa a ser constituída. Além disso, defende que haja uma definição sobre regras de compliance e alta governança para, principalmente, inibir calotes.
“Mais uma vez estamos perdendo a oportunidade de modernização do futebol brasileiro, porque a ideia [do projeto em tramitação] é ajudar os clubes, em vez de exigir uma contrapartida efetiva na mudança de gestão. Só em 2015, no Profut, os clubes receberam 700 milhões em descontos, em receitas financeiras dentro dos seus balanços. Então eles sonegaram a vida inteira e ainda recebem dinheiro, graças aos descontos que a lei ofereceu. Esse modelo paternalista nunca vai resolver a gestão do futebol brasileiro. Os gráficos só mostram piora”, critica Somoggi.
Experiências traumáticas
“A gente precisa sair desse universo do amadorismo. O mundo que está dando certo é empresa.” As palavras de Pedro Paulo ao SporTV juram que a melhor solução só pode vir do setor privado. O debate parece novo no Brasil, mas já correu amplamente pela Europa – e nem todos por lá concordaram com o deputado.
Em julho de 2007, a revista inglesa The Observer publicou um longo artigo para questionar a esperança da sobrevivência do futebol através da conta bancária de investidores estrangeiros. Fazia quatro anos que o time britânico Chelsea fora comprado pelo bilionário russo do ramo do petróleo e da mineração, Roman Abramovitch. No mesmo ano, o Manchester United foi para as mãos da família americana Glazer e havia expectativas para a venda do Arsenal, Everton e Fulham.
O texto de Tom Bower argumentava que magnatas investiram o suficiente para salvar o futebol inglês de suas dívidas. Por outro lado, torcedores dos times foram cada vez mais impedidos de assistir a partidas das arquibancadas, por conta de preços excessivos dos ingressos e pela quantidade de futebol exibida na televisão. Os novos dirigentes também pouco se interessavam em restabelecer relações mais estreitas entre os clubes e os torcedores e, por vezes, descaracterizavam a identidade do time.
No Brasil, há incertezas até sobre a superação da dívida. A promessa de salvação da pátria pelo setor privado é vista com desconfiança, talvez, porque houve uma experiência traumática muito recente em relação à aposta no modelo empresarial: o caso do time catarinense Figueirense.
Nascido em 1921 e vencedor de 18 títulos do Campeonato Catarinense, o Figueirense começou a debater a conversão para clube-empresa em 2009, quando houve uma tentativa de terceirizar a gestão, mas não deu certo. Gestões do clube que se seguiram nos anos posteriores deixaram que uma dívida de 10 milhões crescesse para aproximadamente 80 milhões de reais. Em 2017, no auge da crise, o time estava na série B, com baixa capacidade de investimento e saldo negativo mensal. Foi quando surgiu uma nova proposta de conversão em clube-empresa.
No mesmo ano, a holding de investimentos Elephant assinou com o Figueirense um contrato para transformar o clube em uma empresa de sociedade limitada. A terceirização da gestão foi aprovada no conselho deliberativo por 80 votos a 2, num rápido processo em que debates sobre possíveis riscos foram tolidos devido à urgência. Assim conta Gabriel Shiozawa, membro do Conselho Deliberativo do Figueirense desde 2014. Ele relata ter sentido falta de transparência, mas afirma que o benefício da dúvida à empresa foi dado.
Em abril de 2018, o Figueirense foi campeão do Campeonato Catarinense. Poderia ser o prenúncio de bons tempos, mas, no mesmo ano, diz Shiozawa, os problemas de gestão se agravaram e o número de processos trabalhistas ultrapassou a faixa dos 150. O ano de 2019 iniciou com múltiplas contestações sobre a empresa, provocadas, principalmente, por atrasos de salários de jogadores e funcionários. O CEO da empresa foi trocado e o time quase caiu para a série C.
Segundo Shiozawa, não havia dinheiro nem para pagar ônibus de transporte para o treinamento de jovens da base. Os jogadores, inclusive, fizeram vaquinhas para arcar com a alimentação dos funcionários. Em súbito processo de desgaste, os atletas tomaram uma atitude drástica: recusaram-se a entrar em uma partida em 20 agosto de 2019, contra o Cuiabá, o que fez o time catarinense perder por W. O. no Campeonato Brasileiro. O elenco não recebia direitos de imagem desde maio e queixava-se do não recolhimento de FGTS.
“Devemos, urgentemente, abandonar a ideia de terceirização. O Figueirense não pode mais ser refém de interesses pessoais”, defendem conselheiros.
Com o W.O., houve uma pressão maior pelo rompimento de contrato com a Elephant. Após a empresa ser afastada do comando do clube, o presidente interino do Figueirense, Chiquinho de Assis, acusou o presidente da Elephant, Cláudio Honigman, de saque ilegal de dinheiro em benefício próprio. Hoje, por ora, o Figueirense segue com gestão interina, mas parte da cúpula ainda não desistiu do modelo empresarial. Em notas públicas, conselheiros como Shiozawa pedem o descarte desta alternativa.
“É uma falácia dizer que o Figueirense não consegue ser autossustentável. Só nesta década, a receita foi superior a 350 milhões de reais – valor que, se bem investido, teria sido capaz de elevar o patamar do clube, tanto no futebol quanto em seu patrimônio”, dizem, em nota. “Não só boa parte das dívidas criadas seriam completamente evitáveis com planejamento bem feito e responsabilidade financeira, como as receitas poderiam ser maiores, caso percentuais de ganhos não fossem direcionados para pessoas de fora do clube.”
Para parcela dos conselheiros, ocorreu uma série de gestões irresponsáveis no time. No fim da presidência de Paulo Prisco Paraíso, nos anos 2000, houve um vácuo na administração em que o clube sofreu o avanço de um grupo que “só tinha promessas a fazer e interesses particulares a realizar”. Na era de Wilfredo Brillinger, que deixou de presidir a Associação do Figueirense em abril de 2018, o endividamento cresceu e o clube herdou passivos trabalhistas. No comando da Elephant, mais endividamento e “momentos vexatórios” que, segundo os conselheiros, mancharam a imagem do clube.
“Devemos, urgentemente, abandonar a ideia de terceirização”, defendem. “O Figueirense não pode mais ser refém de interesses pessoais de diferentes administradores ou grupos, ‘canetas cheias’ que não se traduzem em investimentos nem trazem evolução para o clube e, hoje, nos expõem ao real risco de fechar as portas.”
Hoje, o clube tem uma auditoria em curso para averiguar a dívida exata, estimada entre 85 milhões e 100 milhões de reais, baseadas em dívidas tributárias e de juros por empréstimos. Outro entrave está relacionado aos encargos ligados a processos que ainda correm na Justiça do Trabalho, de jogadores, médicos, preparadores físicos, integrantes da comissão técnica e o pessoal que trabalha na alimentação.
O impacto do projeto de lei para os jogadores é uma das principais preocupações do presidente do Sindicato dos Atletas de São Paulo, o ex-goleiro Rinaldo Martorelli. Diferente de Shiozawa, Martorelli é a favor do projeto dos clubes-empresa, mas, para ele, as mudanças propostas para o contrato podem descaracterizar a relação trabalhista com os jogadores.
Isso porque, a partir da legislação, a maior parte dos pagamentos poderá ser feita via direitos de imagem para os que ganham acima de 11.600 reais. Pelo texto, os jogadores e treinadores poderão receber até 80% de sua remuneração por meio de contratos como pessoa jurídica para cessão de direitos de imagem. Antes, o percentual era de 40% apenas para jogadores. O restante era pelas leis trabalhistas. Martorelli conversou com Pedro Paulo sobre o tema e espera que, no Senado Federal, o trecho seja debatido. Segundo o deputado, apenas 2,5% dos atletas estão nessa situação.
Para Martorelli, o ponto central a ser incluído no projeto, na verdade, é um dispositivo que tenha efeito pedagógico de responsabilidade da gestão.
“Os clubes continuam contratando e gastando dinheiro sem consequência. Isso aconteceu em vários clubes, como o Figueirense. Em uma situação financeira ruim, abriu mão da sua gestão para uma empresa que veio com um sonho, uma projeção de valores que o clube não tinha. Chegou ao W.O.”, afirma.
Torcedores de uma marca?
Se por um lado existe o medo de “acabar como o Figueirense”, por outro, as propagandas positivas sobre o projeto de lei, em geral, destacam a experiência do Red Bull Bragantino, no interior de São Paulo. Quando nasceu, em 1928, era só Bragantino. Mas um acordo firmado em 2019, na faixa dos 45 milhões de reais, permitiu que a multinacional austríaca de bebidas Red Bull assumisse a chefia do clube, mudasse o nome e até o escudo do time.
O futebol é um negócio para a Red Bull no mundo desde 2005. A companhia é dona do RB Leipzig, na Alemanha, do New York Red Bulls, nos Estados Unidos, do Red Bull Salzburg e FC Liefering, na Áustria. Em 2008, fundou o time Red Bull Gana, na África, mas abandonou o projeto em 2014, quando a equipe não acessava a primeira divisão. Aqui, sua primeira experiência foi com um time que nasceu do zero, o Red Bull Brasil. No entanto, faltava para a empresa uma marca mais forte no futebol, com passado vencedor. Foi em Bragança Paulista, portanto, que encontrou o Bragantino, em uma cidade ávida pelo esporte. Quem dirigia o time era Marcos Chedid, que continua com o clube mesmo com a entrada da empresa.
Segundo Thiago Scuro, CEO do Red Bull Bragantino, um atrativo especial do time foi o baixo endividamento. Para ele, a receita para uma gestão responsável é “simples” e se resume à disciplina da empresa. Em 2019, o time ficou em primeiro lugar na série B do Campeonato Brasileiro e, neste ano, sua maior meta é permanecer na série A. Em longo prazo, o projeto é melhorar a infraestrutura e investir em novos atletas.
Favorável ao projeto de Pedro Paulo, Scuro argumenta que os desdobramentos da nova lei podem ser ajustados ao longo da sua operação. Mas uma vantagem, para ele, é que o texto não obriga a conversão no modelo empresarial. Ele elogia também as condições tributárias, favoráveis a quem optar pela transição e atraentes para investidores.
“Hoje, através da Red Bull, o Red Bull Bragantino está se tornando uma instituição mais forte, mais organizada. Isso fica para o futebol brasileiro. É diferente do investidor que vem comprar só o percentual de jogadores para levá-los embora. Então eu sou favorável [ao projeto] por esses aspectos: o poder de escolha, a equidade tributária e fiscal, e a possibilidade de evoluir o atual modelo de gestão dos clubes”, diz Scuro.
As perspectivas são otimistas, mas fica a dúvida: e os torcedores, gostaram da mudança? Se postas as questões levantadas pelo The Observer, seria possível cogitar que não. Mas Scuro diz que as reações são variadas. O otimismo com o time anima os jovens, porém, os torcedores mais velhos ainda demonstram rejeição. Ele argumenta que é a oitava vez que o time troca de escudo, e não a primeira.
“É difícil de afirmar, porque eu não tenho dados para isso”, comenta. “A nossa percepção é de que temos uma base de torcedores que vivia uma relação mais intensa com o clube nos últimos anos e que sofre um pouquinho com as mudanças. Ao mesmo tempo, temos uma base de torcedores que já tinha se desconectado do clube e que, através desses investimentos, retornaram a consumir o Bragantino, a ir aos jogos, a acompanhar as notícias.”
“Você pode até comprar um time, mas não compra uma torcida”, avalia antropólogo.
Para o pós-doutor em Antropologia Social e professor no Centro de Estudos de Pessoal Forte de Duque de Caxias, Edison Gastaldo, a ideia aparente do projeto de lei é contemplar, principalmente, os times da primeira divisão. Mas é preciso lembrar que o Brasil não tem apenas os 20 clubes da série A, e sim, mais de 700 times em todo o território – são 742 cadastrados como profissionais, segundo a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Qual pode ser o impacto da conversão em clubes-empresa para times menores?
Gastaldo coordenou o projeto Torcedores para o Museu do Futebol e entrevistou 112 amantes do esporte, de mais de 40 times, tanto os grandes, como Flamengo, Corinthians e Grêmio, e os menores, como o Dom Bosco de Cuiabá, Rio Negro de Manaus, Íbis de Pernambuco, Novo Hamburgo, Oeste de Itápolis do São Paulo e o gaúcho Sport Club Rio Grande. Em conversa com os torcedores de times que abriram parcerias com grandes empresas, o pesquisador relata que há satisfações com bons resultados apresentados em jogos, porém, a mercantilização do clube, por vezes, enfraquece os vínculos e provoca desalento coletivo.
“Você pode até comprar um time, mas não compra uma torcida. Se quiser que 40 mil pessoas apareçam no estádio para gritar, chorar e se abraçar pelo seu time, não dá para mandar elas fazerem isso”, avalia. “Eu vi isso acontecer na Inglaterra, onde times tradicionais viraram um jogo de figurinhas de magnatas. Isso enfraquece os vínculos, porque o torcedor torce por uma ideia, por um sentimento de identificação. Você discutiria a troco de quê? Pela Coca-Cola, pela Apple? Se o clube vira uma marca, ele entra na lógica do consumo do capital. Não é assim que funciona o futebol no Brasil.”
Fonte: Carta Capital
Foto: Patrick Floriani/FFC