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Com a crise batendo às portas, muitas das empresas em crise financeira contam com a recuperação judicial, regulada pela Lei nº 11.101/05 (“LRE”), como um instrumento para uma saída negociada de seu passivo.

Para além da negociação com as diversas classes de credores, no ambiente controlado do processo, outros desafios se apresentam: como obter o capital necessário à manutenção da atividade, permitindo o soerguimento da empresa e também o cumprimento das obrigações e estipulações contidas no plano de recuperação judicial (“PRJ”).

Tal cenário se torna especialmente dramático quando se constata o tempo que leva até a efetiva votação do plano de recuperação. Estudos empíricos [1] realizados na Comarca de São Paulo demonstram que, em média, do pedido de recuperação judicial até a efetiva votação do PRJ decorrem 507 dias, ou seja, quase um ano e meio. E como garantir a sobrevivência da empresa nesse meio tempo?

O setor bancário mostra-se “engessado” a oferecer capital para esse perfil de tomador em razão da Resolução CMN nº 2.682/1999 e também da Circular BC nº 3.648/2013, que obrigam os bancos a provisionarem a integralidade do valor emprestado para empresas nessas condições. Assim, o desinteresse dos bancos nesse tipo de operação é justificável.

De outro lado, o legislador, objetivando conferir proteção àqueles que negociam com a empresa durante o processo de recuperação judicial, estabeleceu no artigo 67 da LRE que “os créditos decorrentes de obrigações contraídas pelo devedor durante a recuperação judicial […] serão considerados extraconcursais […] em caso de decretação de falência”. Ou seja, se a empresa falir, o credor que concedeu empréstimos à empresa em recuperação receberá com prioridade aos demais credores.

Embora o dispositivo legal pareça claro, sua aplicação já trouxe controvérsias no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. A expressão “durante a recuperação judicial” foi interpretada de forma diversa, com impactos reais para o contratante da empresa em recuperação.

No REsp nº 1.398.092/SC, interpretou-se a expressão “durante a recuperação judicial” como significando “qualquer momento após o deferimento do processamento da recuperação”, ou seja, após aquela primeira decisão proferida logo quando o pedido é distribuído, independentemente da aprovação do PRJ. Diferentemente, no REsp nº 1.399.853/SC, decidiu-se que a expressão “durante a recuperação judicial” deveria ser interpretada como significando “a efetiva concessão da recuperação judicial”, ou seja, o período após a aprovação do PRJ.

Logo, mesmo que haja um aperfeiçoamento da regulamentação bancária, ao menos com base na jurisprudência mais recente, não há segurança de que o empréstimo concedido à empresa em recuperação, antes da aprovação do PRJ, será considerado um crédito extra concursal em um cenário falimentar.

Se o financiamento tradicional parece de difícil execução, analisar a questão sob a ótica do mercado de capitais, notadamente da securitização de recebíveis da empresa em recuperação, parece-nos uma alternativa viável e segura, se algumas cautelas forem adotadas.

Em regra, a securitização de recebíveis é realizada por meio dos fundos de investimento em direitos creditórios (“FIDC”). Os FIDCs adquirem mediante certo deságio os créditos titulados pelas empresas em recuperação, decorrentes da venda de produtos/prestação de serviços. O resultado é a injeção de capital diretamente no caixa da empresa, com risco relativamente diminuído tanto em relação aos credores, como à própria recuperanda.

Isso, porque a empresa em recuperação judicial, que é credora/cedente, deixa de correr o risco de inadimplemento, o qual é transferido para o FIDC.

Como os recebíveis fazem parte do ativo circulante da empresa em recuperação, ela pode negociá-los sem prévia autorização judicial. De fato, a restrição contida no artigo 66, da LRE, que determina a necessidade de prévia autorização judicial para alienação de ativos da recuperanda, aplica-se somente em relação ao ativo permanente da empresa.

Alguns tribunais locais já decidiram que a oneração ou alienação de bens do ativo circulante pode ser realizada livremente, porém uma cautela deve ser adotada pelo contratante: total transparência e comunicação da negociação ao administrador judicial.

Como a cessão definitiva de recebíveis diz respeito ao faturamento da empresa em recuperação, é essencial que o FIDC, quando da contratação, demonstre que (a) o percentual cedido não impacta a sobrevivência da empresa, e que (b) o deságio aplicável é condizente com as condições de mercado e com o risco assumido pelo FIDC. Isso demanda do FIDC uma análise aprofundada e meticulosa das demonstrações financeiras da empresa em recuperação.

Importante mencionar que, nesses casos, o FIDC não passa a ser credor da empresa em recuperação. Por se tratar de cessão a título definitivo e oneroso, tal negócio jurídico jamais pode ser equiparado ao empréstimo. Com a securitização, o FIDC se torna credor dos fornecedores ou devedores da empresa em recuperação.

Mesmo em caso de convolação da recuperação judicial em falência, como já tivemos oportunidade de nos manifestar (PVG+ Abril 2016), a securitização dos recebíveis evidencia-se um caminho seguro.

Isso, porque a LRE excluiu expressamente o ato de alienação de ativos para fins de securitização do âmbito de alcance da ação revocatória, que impacta a validade e eficácia do negócio jurídico. Nesse sentido, o §1º do Artigo 136 prevê que “na hipótese de securitização de créditos do devedor, não será declarada a ineficácia ou revogado o ato de cessão, com base em ação revocatória, em prejuízo dos direitos dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo securitizador”.

Portanto, o ato de cessão dos ativos para fins de securitização jamais poderá ser declarado sem efeitos ou revogado, por meio de ação revocatória, em razão da convolação da recuperação judicial em falência, ainda que a cessão tenha sido celebrada no “período suspeito” ou termo legal falimentar.

Conforme também já tivemos oportunidade de nos manifestar, [2] entendemos que a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) deveria apoiar a expansão desse mercado, admitindo que FIDCs padronizados, cujo acesso a capital é maior e a necessidade de qualificação dos investidores menor, negociassem direitos creditórios originados por empresas em recuperação, independentemente da aprovação do plano de recuperação e do trânsito em julgado da decisão que conceder a recuperação judicial.

Assim, seja sob o viés das instituições financeiras, seja sob o viés dos veículos securitizadores, a disponibilização de capital para empresas em crise possui seus desafios. Contudo, a securitização de recebíveis mostra-se uma alternativa viável, relativamente segura e que pode ser concretizada sem a necessidade de prévia autorização judicial. Não é toa que se trata de um mercado em franca expansão.

Fonte: PGV